Inteligência periférica: juventude periférica segue se reinventando

 Na primeira reportagem da série “Inteligência Periférica”, contamos sobre o contexto histórico do desemprego em São Paulo e compartilhamos um pouco da história do DJ Dagoma. Nessa segunda reportagem da série, você vai conhecer a trajetória do jovem Josiel, morador do distrito do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, que nos últimos nove meses precisou criar três formas diferentes de gerar renda.

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Atuando como entregador, Josiel Santo, 18, trabalha no mercado informal há cerca de quatro anos. O jovem mora no Parque Bologne, bairro pertencente ao distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, e seu principal instrumento de trabalho era a sua bicicleta, que no momento encontra-se quebrada. Era com ela que ele circulava pela cidade para garantir parte da sua renda.

Josiel já trabalhou com muitas coisas, mas a decisão de iniciar no ramo informal se deu principalmente por ser mais lucrativo. “Me chamaram para sair a noite e eu estava sem dinheiro, só tinha 5 reais. Eu pensei: ‘eu vou precisar de mais’. Eu fui no mercado, comprei uma caixa de pastilha e fui vendendo. Quando a caixa acabou eu já tinha 25 reais livre só para mim, e aí eu não parei mais”, conta o jovem que começou no trabalho informal como vendedor ambulante.

Antes da pandemia da covid-19, Josiel circulava pela cidade produzindo poesias. Estudava música, grafite e elementos do hip hop no Centro Cultural Mocambo, na zona sul de São Paulo. A partir da sua arte, era convidado para cantar e recitar em alguns eventos. Em 2019, por exemplo, interpretou um dos personagens da websérie Pense Grande Sua Quebrada. Com a pandemia, tem feito trabalhos esporádicos na região.

“Eu trabalhei um tempo com a pandemia e agora eu faço uns bicos para ajudar a comunidade. Os bicos que eu faço para comunidade é carregar uma areia, uns blocos para os vizinhos, ajudar uma tia ali com a sacola descendo da perua. Sempre querendo ajudar sabe.”

De vendedor ambulante a entregador, o jovem acredita que existem formas mínimas do poder público contribuir com a população que garante seu sustento através do mercado informal: “Primeiramente deixando os marreteiros trabalharem nas estações, e fazendo mais ciclofaixa para o ciclista”, compartilha Josiel.

Após nove meses do início da quarentena, Josiel passou a trabalhar com a produção e venda de máscaras de tecido. “Assim, pelo fato da quarentena algumas obras parou, como o ramo de máscara de proteção para o covid-19, eu estou na produção de máscara. A reprodução de máscara tá bombando, agora eu virei costureiro”, conta o jovem que iniciou o trabalho com essa nova demanda em outubro de 2020.

Josiel Santo. Foto: arquivo pessoal

Cor e o CEP influenciam o mercado de trabalho  

PNAD Contínua – Divulgação: Julho de 2020 / Elaboração: Flávia Lopes – Info Território

Para muitos moradores das periferias, a cor da pele e o endereço de onde vêm, está diretamente ligado às oportunidades que encontram disponíveis no mercado de trabalho com carteira assinada, considerado o mercado formal.

Gênero, orientação sexual, raça e classe social são fatores históricos utilizados como mecanismo de marginalização nas relações de trabalho. O núcleo voltado para estudos sobre o Trabalho no CEP – Centro de Estudos Periféricos, grupo de pesquisadores da Unifesp, aponta que esse cenário de esquecimento de parte da população acontece há muito tempo.

“O Estado brasileiro nunca promoveu políticas de reparação histórica para a população negra, que sempre se virou sozinha ou com o apoio dos seus iguais, seja na construção de moradia ou fazendo algum bico, como conta o livro Cidade das Mulheres, de Ruth Landes. Eram mulheres negras antes escravizadas que foram para as ruas de Salvador vender quitutes para sobreviver no pós abolição”

compartilha os pesquisadores Cleberson da Silva, Nataly de Oliveira, Egeu Gomez, e Matheus de Carlos do núcleo de Trabalho do CEP.

A situação não é diferente para quem trabalha como vendedor ambulante, entregador, ou em outras áreas do trabalho considerado informal. DJ Dagoma, que compartilhou sua trajetória no primeiro episódio da série “Inteligência Periférica”, conta que já sofreu preconceito em questões de trabalho, inclusive no trem.

“Geralmente as pessoas quando entra assim para vender, elas já enrolam a mão na bolsa. Mas sabe o mais foda que eu vejo? As mulheres enrolam a mão na bolsa e fica piano, mas o cara branco que está engravatado, todo bonitinho ali, é o cara que é o batedor de carteira, tá ligado. Eu sofro um preconceito de um lado, mas ela está do lado de um ladrão. Então tipo é muito louco isso aí. Eu sofro no trem, já sofri em outros trabalhos, tá ligado!? Eu sofro preconceito sim, por eu ser preto”, relata o arte educador e vendedor ambulante.

A costureira Valdirene Rodrigues, moradora de Sapopemba, região leste de São Paulo, acredita que sua cor não tem relação com suas relações de trabalho. “Sou de Pilão Arcado, Bahia e minha família toda é de lá. Me considero uma mulher parda, mas para o meu ponto de vista, assim não tem tanta diferença, acho que a cor não interfere no trabalho não”, compartilha a costureira que também nos contou como tem sido para ela esse momento da pandemia em relação ao seu trabalho. Valdirene foi uma das entrevistadas da série “Inteligência Periférica”.

“Eu trabalho com o público e nem todo público gosta de um neguin né.” 

Josiel do Espirito Santo

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Para os pesquisadores do núcleo de Trabalho do Centro de Estudos Periféricos da Unifesp, a ausência de políticas públicas de qualificação e formação para o mercado de trabalho voltado a adolescentes e jovens negros, prejudica o acesso e o desenvolvimento de uma carreira.

“As vagas de trabalho para quem tem pouca qualificação formal, ou uma qualificação tardia, são geralmente mal remuneradas, o que resulta no desejo de tentar alguma atividade que possa remunerar melhor”, finaliza o núcleo de estudos.

Já existia um desemprego e desalento na população negra antes da pandemia. Porém, a pandemia acarretou em agravamento do desemprego e das dificuldades econômicas, sobretudo para as mulheres negras, que são maioria dentre os/as trabalhadores/as informais. Some-se a isso que ainda há resistência da sociedade em regularizar algumas atividades e assim garantir direitos básicos para esta parcela da população, tenhamos como exemplo a PL das domésticas que gerou grande descontentamento das elites.

Núcleo de trabalho do Centro de Estudos Periféricos 

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1 COMENTÁRIO

  1. “Eu ainda sonho com um mundo melhor ninguém na pior mais amor no coração sem julgar cor e classe social ai é seres humanos sem razão se deus criou vidas somos todos iguais lei da vida nascer viver e morrer”

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