Coletivos debatem eleições nas redes sociais com moradores da quebrada

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 A partir da valorização da micropolítica, iniciativas de movimentos sociais e de educação popular estão transformando as plataformas digitais em locais para discutir a cidade e exercer a participação política nas periferias de São Paulo.

A partir do entendimento de que os corpos periféricos precisam ocupar espaços políticos institucionais para construir um diálogo mais qualificado com os moradores da quebrada, utilizando práticas de participação social, como a escuta coletiva dos sujeitos que são invisíveis para o poder público, as iniciativas Vote Periferia e o Café Filosófico da Periferia, deram inicio a realização de uma série de debates com candidatos a vereadores que não tem o perfil dos políticos tradicionais, conhecidos no Brasil, com o propósito de disseminar uma maior conscientização sobre a importância do voto nos territórios periféricos.

A Vote Periferia é uma plataforma que surge como um Movimento Popular para compartilhar candidaturas da periferia de São Paulo. Já o Café Filosófico da Periferia atua como um grupo formado por educadores, artistas e coletivos culturais, que promove discussões sobre educação popular e produção de conhecimento nas periferias da zona sul da cidade.

Com a pandemia, essas iniciativas deixaram de realizar suas atividades em espaços físicos, para ocupar as diversas plataformas digitais e as redes sociais, passando a organizar encontros em ambientes virtuais, através de grupos de Facebook e Whatsapp. “A gente tem um grupo no whatsapp e tem um grupo no facebook, e esses grupos também são impulsionadores de outras discussões”, explica Wellington Amorim, 25 , morador do Vila Remo, bairro da zona sul de São Paulo, que atua como um dos organizadores do coletivo Café Filosófico da Periferia.

Amorim ressalta o quanto é necessário esses espaços de discussões, principalmente no cenário atual político, onde a mídia televisiva recusa a realizar debates eleitorais em São Paulo. “O Café Filosófico se propõe a ser um espaço de troca e de reflexão e num momento de eleições como esse, que a gente vê emissoras de televisão se negando a fazer discussões entre os candidatos, sobre política e sobre qual é o projeto de cidade que cada um tá apresentando, a gente entende o Café Filosófico como este espaço que precisa se colocar à disposição das pessoas da quebrada pra refletir, sobre o voto”.

No último encontro do Café filosófico, o grupo debateu sobre a construção de candidaturas coletivas nas periferias durante uma live que teve grande nível de interação dos moradores e seguidores, porém o organizador ainda demonstra sua insatisfação.

“A gente tem tido uma grande dificuldade para fazer esses papos virtuais e tudo mais”, diz Amorim, trazendo uma questão muito presente na vida de moradores das periferias que é a falta de internet ou de uma rede de qualidade, que proporciona uma desconexão da periferia com o mundo virtual. “A forma como a gente tem lidado hoje é com muita paciência, pedindo a compreensão das pessoas, e também tentar que as pessoas acessem esses conteúdos, compartilhando em todas as redes, então isso tem questões de fato que a gente consegue resolver”.

Ele reforça que a internet se tornou um instrumento fundamental e básico para a sobrevivência da população periférica. “Nesse momento de pandemia a internet ela foi colocada como item de direito básico pra gente sobreviver, e a gente não tem acesso a esse direito”, argumenta o integrante do Café Filosófico.

Através de uma observação sobre as necessidades do seu território, que não é colocada nos planos políticos na maioria dos candidatos que estão presente nas mídias tradicionais, ele sugere que umas das soluções encontradas pelo grupo para mudar esse cenários é inserir pessoas periféricas para ocupar esses espaços políticos de poder. “As pessoas precisam ser vistas como corpos políticos, isso é fundamental. Se as pessoas tivessem mais acessos a esses espaços de formação, a discussão, através de tecnologia, sem dúvida elas também participariam dessas questões colocadas para elas”, aponta ele.

O Café Filosófico entende que uma das características das quebradas é o potencial de engajamento das comunidades através do afeto e das relações pessoais construídas nos bairros. Eles utilizaram isso como estratégia para acessar moradores das periferias. “Quando a gente usa essa rede para reflexão e para construção de uma política pública de um processo de construção coletiva, que precisa para aquele bairro, eu acho que é ai que ta a potência, que a gente de fato consegue se relacionar , com o que mais tem haver com sua vivência “, avalia Amorim.

Considerado pelos seus criadores um movimento popular virtual e suprapartidário, o Vote Perifa foi criado por Rafael Shouz, 25, e Willian Dantas, 28, moradores da Vila Inglesa, periferia da zona sul de São Paulo, para fomentar uma plataforma que promove debates com candidaturas periféricas. A partir desta compreensão, eles articularam parcerias e campanhas nas redes sociais para entrevistar candidatos a vereador que são oriundos de territórios periféricos.

“O Vote Perifa é uma ideia prematura, mas que já tem levantado bons vôos. Nasceu em Junho deste ano, quando voltando para a casa da minha mãe na quebrada percebemos que tinham muitas outras candidaturas da periferia e que isso precisava ser propagado. Daí vem a ideia de gerar visibilidade e engajar o voto da quebrada também”, conta Dantas, um dos criadores, afirmando que entendeu que poderia usar de estratégias digitais para promover candidaturas periféricas.

O coletivo enxergou essa urgência de criar novos meios de comunicação que vá além da tradicional televisão, rádio, jornal e canais populares nas redes sociais, observando o descaso que os políticos que ganham voto nas periferias tem com o território depois de eleito. “Só quem veio da periferia sabe quais são as demandas que a periferia precisa. Só quem sentiu na pele a falta de acesso à políticas públicas vai entender a importância”, diz Rafael.

Pensando nisso, os criadores se tornaram produtores de conteúdos digitais, tendo como seu principal meio de divulgação uma conta no instagram da @vote.perifa. “Estamos tentando alavancar e dar visibilidade para os candidatos de outras formas. Começamos a compartilhar os candidatos que fazem parte do movimento e optamos pelas lives também. Para que não houvesse qualquer parcialidade, convidamos coletivos da quebrada para fazerem as mediações. A ideia é que esses convidados apresentem, mas também questionem os candidatos enquanto sujeitos que são da periferia também”, complementa William.

Porém ainda Rafael lembra sobre as maiores dificuldade de se produzir conteúdo para a periferia, é a exclusão tecnológica no qual ela está inserida “Usar o campo digital para chegar na periferia é uma possibilidade, mas também um desafio. Quando você fala em periferia, você fala da falta de acessos e precisa entender que as demandas mudam de território para território.” É diante dessa reflexão ele Relata “Nós precisamos democratizar o acesso digital antes de falarmos sobre a possibilidade de voto online, como estão querendo testar por aqui”.

 Contexto histórico

Durante as manifestações que explodiram pela cidade de São Paulo em junho de 2013, com a mobilização popular sobre o debate do preço da tarifa do transporte público para estudantes, nasce uma iniciativas de jovens da quebrada: o Café filosófico da Periferia, um espaço de reflexão sobre questões que atravessam vivências periféricas, conectando política, cotidiano na periferia e filosofia, cujo objetivo é a construção de troca de saberes por meio de debates e intervenções artísticas.

“Buscamos trazer pras pessoas a possibilidade de pensar e reconstruir primeiro essa relação com o território, e como eu olho pro meu bairro como um lugar potente”, explica o produtor audiovisual Wellington Amorim, 25 , morador do Vila Remo, bairro da zona sul de São Paulo, que atua como um dos organizadores do coletivo Café Filosófico da Periferia. Ele enfatiza que o “café filosófico é um lugar que a gente também busca mostrar que essa potência existe a partir da reflexão das pessoas que moram aqui”.

Diante deste espaço livre e democrático para participação e reflexão dos moradores sobre as nuances sociais dos territórios, o coletivo propõe um diálogo de escuta e provocações para as pessoas que vivem nas periferias, para assim construir saberes que todos possam participar no processo de elaboração.

“Tem um ensinamento do Café Filosófico que a gente aprende com o outro, independente se ele concorda ou não com a gente, a gente tá na busca de construção desse processo coletivo, ainda que a gente tenha posições diferentes”, conta Amorim, questionando logo em seguida: “o que nos une? como a gente torna essa união uma potência?”.

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