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Editorial: O Baile da Dz7 é um patrimônio cultural da juventude periférica

Edição:
Redação

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Os donos dos ‘olhos que condenam’, sejam eles representantes da sociedade civil ou membros do poder público, precisam urgentemente entender que esse baile funk se tornou um Patrimônio Cultural da juventude periférica, que reside nos territórios periféricos da região metropolitana de São Paulo. Confira o editorial do Desenrola. 



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Favela de Paraisópolis. (Foto: Léu Britto, DiCampana Foto Coletivo)

A cada edição do Baile da dz7, as estações de trem, metrô e terminais de ônibus intermunicipais localizados nas cidades de Embu Guaçu, Embu das Artes, Taboão da Serra, Osasco, Itapecerica da Serra, Suzano, Guarulhos, Diadema, São Bernardo, Santo André, entre outras cidades que formam a região metropolitana, registram uma grande circulação de grupos de jovens, que já estavam se planejando há meses ou semanas para frequentar o famoso baile funk.

Diante desse cenário, antes de julgar, avaliar ou crucificar o estilo de vida dos quase cinco mil jovens que estavam no Baile da dz7 na madrugada do último domingo (01), na favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, os donos dos ‘olhos que condenam’, sejam eles representantes da sociedade civil ou membros do poder público, precisam urgentemente entender que esse baile funk se tornou um Patrimônio Cultural da juventude periférica, que reside nos territórios periféricos da região metropolitana de São Paulo, ou seja, a população jovem das cidades que fazem divisa com a capital estão conectadas diretamente com esse movimento cultural legitimado, produzido e desenvolvido por corpos e mentes que vivem e trabalham dentro das periferias.

O Estado tem acesso a esses dados que revelam um pico de passageiros em horários onde os funcionários do transporte público metroviário e ferroviário já se preparam para encerrar as suas atividades. Geralmente entre 23h e 00h30 de sábado, as catracas dos terminais intermunicipais e estações de Trem e Metrô registram um pico de passageiros formado por um fluxo de jovens, que estão a caminho do Baile da dz7, em Paraisópolis. É possível comprovar esse movimento, por meio do acesso às imagens de câmeras instaladas nas estações.

Agora, imagine esse público se encontrando com as tantas juventudes que re-existem nas periferias da cidade de São Paulo? Com diferentes anseios, sonhos e imaginários sobre o seu estilo de vida nos territórios periféricos, outros grupos de jovens partem dos extremos das regiões norte, leste, oeste e sul da cidade para se encontrar com outras juventudes, que vêm de outras cidades do Estado.

Pense bem nesse cenário. Entenda que o Baile da dz7 se tornou um Centro Cultural de Juventudes à Céu Aberto, que surge no formato de uma resposta ao poder público, que se nega a levar o funk para dentro dos equipamentos públicos de cultura. Perceba que não estamos falando somente do território de Paraisópolis. Essa é uma questão presente em todo o Estado de São Paulo. Entenda que esse caso de genocídio que tirou nove vidas em apenas uma noite, aconteceu em uma centralidade do entretenimento do mundo do Funk na cidade de São Paulo e que a favela de Paraisópolis tem essa representação para os jovens que a freqüentam.

Ir ao Baile da dz7 representa a realização de um sonho para muitos jovens ali presentes. Nas redes sociais que o Baile dz7 administra é possível compreender melhor um pouco do que estamos falando. As avaliações do público que freqüentam o local revelam um estado de contemplação e realização ao ter a oportunidade de passar uma noite na companhia dos amigos e ao som de muito funk.

Neste contexto, é necessário ter consciência que as forças políticas do Estado já sabem disso, no entanto elas não querem reconhecer o Baile da dz7 com tal contribuição para o lazer da juventude periférica. Desta forma, precisamos avaliar bem se existe de fato uma criminalização do Funk em curso no Brasil. Isso é um fato? O funk é protagonizado há mais de três décadas por corpos negros, favelados e periféricos. Assim como o Samba e o Rap também foram perseguidos durante a sua fase de surgimento e ascensão, o Funk também está sendo.

O que precisamos de fato enxergar é que em ambos os momentos da história da cultura brasileira, a criminalização dos ritmos afetou diretamente os corpos e mentes de jovens negros, periféricos e favelados. Não foi o ritmo que foi criminalizado, mas sim o seu protagonista que dança, canta, cria, consome e difunde essa cultura. Afinal, as mesmas músicas de funk, rap e sambas que tocam em locais de entretenimento nas regiões centrais de São Paulo e de outras cidades brasileiras, que são freqüentadas pela classe média ou pela elite econômica, não sofrem tal perseguição. Pelo contrário, lá esses ritmos são ovacionados e símbolos de geração de fluxo financeiro.

Em regiões de São Paulo onde há uma notória concentração de renda dos moradores, o Funk é Ovacionado porque é administrado por empresários da indústria cultural, que inclusive são referências na imprensa brasileira. Ovacionado sim, porque gera receita e oportunidade de negócios para marcas de bebidas alcoólicas e grifes de roupa.

Além do processo de apropriação cultural que o Funk sofre essa estrutura de mercado presente na indústria cultural também atua para impedir um dos principais elementos políticos causados pelo funk: de maneira autônoma, a juventude periférica consegue se organizar e mobilizar multidões para promover bailes com pouca estrutura e produzir suas próprias músicas e narrativas, gerando assim um mercado cultural periférico que tem a sua identidade.

Precisamos entender que isso é um ato político, porque enquanto cinco mil jovens que não precisaram pagar entrada para curtir o Baile da Baile dz7, uma série de casas de shows na região de Pinheiros que também promovem shows de funk não atenderam esse público.

Esse público valoriza o pancadão na quebrada por causa do clima de favela. O formato das ruas. As motos estacionadas na calçada. O movimento dos bares abertos. O fluxo de vida que brota nas vielas com pessoas sentadas ou dançando. A laje que vira camarote. Os moradores mais antigos que aproveitam o baile para vender alimentos e bebidas e que acabam virando personagens desses encontros de celebração à vida.

Esses elementos culturais não são encontrados num baile realizado numa casa de shows na região de Pinheiros, muitos menos nas cervejadas e festas universitárias, freqüentadas por estudantes de classe média alta, que acontecem nas ruas próximas ou nas dependências internas das universidades Mackenzie, PUC e USP de São Paulo.

A Polícia do medo

Não é de hoje que ações policiais vêm tirando a vida de jovens negros nas periferias e favelas de São Paulo e de outros estados do país. Se você perguntar para um jovem negro e morador da periferia qual é o seu maior medo, certamente a resposta será: “ser confundido com bandido e morrer” ou “ser morto pela polícia por ser negro”.

Um momento histórico que exemplifica a forma agressiva de agir da polícia foi em 2017, ano no qual o tenente-coronel da Rota, Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, disse que a abordagem no Jardins, bairro de alto padrão socioeconômico na zona oeste de São Paulo, tem de ser diferente da periferia. Na época ele ainda ressaltou que um policial que costuma agir na periferia poderia ser visto como grosseiro ao abordar pessoas no Jardins.

Manifestações e marchas são realizadas a todo o momento, denunciando a morte da juventude negra e periférica. Motivos para sair às ruas não faltam. Nos últimos 20 anos, aumentou mais de 420%, a morte de jovens negros, segundo um levantamento da Fundação Abrinq publicado em 2019.

Diante deste cenário, o que podemos fazer para mudar essa estrutura de mortes que vem crescendo? Quais os caminhos e rumos que precisamos tomar para mudar essa situação? Qual o papel do poder público e da sociedade civil que condena esses jovens pelo seu estilo de vida?

A impunidade dos policiais que cometem crimes contra a vida da população negra e periférica, é por si só, uma questão estrutural que precisa ser mais bem discutida com o poder público. Há décadas a polícia militar tem licença para matar e poucas mudanças ou medidas são tomadas para não só investigar isso, mas sim, instrumentalizar a sociedade civil e liderança políticas para impedir que ações como essa aconteçam e permaneçam impunes.

Quando os Movimentos Sociais que se organizam há décadas para pautar direitos básicos para os moradores das periferias ecoam em uma só voz: “os nossos mortos têm voz”, é um sinal que tanto o poder público, quanto a sociedade civil está cumprindo uma agenda de não reconhecimento de pautas ligadas ao genocídio geolocalizado, que está em curso há mais de quatro décadas nos territórios periféricos.

É importante ter em mente que discutir e debater não significa necessariamente transformar esse cenário. Já que o poder público demonstra não dar conta de barrar a postura genocida da Polícia Militar, e os parlamentares tanto da esfera federal, estadual e municipal só debatem esses temas de maneira distante da realidade, é papel dos Movimentos Sociais criarem formas para que essas mortes não sejam em vão.

É preciso escutar e construir um diálogo com a juventude periférica que frequenta os bailes Funk nas periferias, para entender, a partir das vivências dela quais as mudanças que a polícia militar precisa passar para a sua existência não serem ameaçada mais pelo Estado. Sem escutar o jovem da quebrada, muito será dito e pouco será feito. Afinal de contas, é preciso fazer essa construção de debate político com participação ativa das Juventudes e não para a juventude.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Ponto de drogas e prostituição se tornou para alguns jornalistas descompromissados com a verdade é que pactuam com o mal como expressão cultural… Então tá! Querem convencer a quem?

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