Matéria

Como empreendedores periféricos estão sobrevivendo à pandemia sem letramento digital

Edição:
Ronaldo Matos

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Sem perfil nas redes sociais, atendimento via WhatsApp e muito menos loja virtual, comerciantes locais das periferias de São Paulo que não passaram por um processo de letramento digital voltado ao negócio, relatam o impacto de se adaptar à pandemia, criando alternativas de vendas, mesmo com o comércio fechado de maneira parcial ou total.



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A costureira Valdirene Rodrigues é moradora da Vila industrial, periferia da Zona leste de São Paulo (Foto: Rosana Aparecida)

Durante os últimos três meses, comerciantes e moradores das periferias que tem seus próprios negócios instalados nos territórios, se viram sem opção de geração de renda, pois sua forma mais comum de comercialização é por meio de atendimento presencial, e diante das circunstâncias causadas pela pandemia de coronavírus, os moradores tiveram que se reinventar para manter sua renda e sustentar sua família.

Jaime de Jesus, 41, mora no distrito do Campo Limpo, no Jardim Piracuama, zona sul de São Paulo. Ele é vendedor ambulante há dezoito anos, mas esse ofício não foi uma opção, mas sim uma oportunidade que ele encontrou nas circunstâncias que tinha e se adaptou a ela, ligando com o seu prazer de conhecer histórias “Todo dia é uma história diferente, que marca a gente”, descreve o ambulante, mostrando como era o seu cotidiano antes da chegada da pandemia de coronavírus.

“Eu comecei vendendo bebidas nos estádios, capa de chuva, aí fui trabalhando, fui trabalhando, não tive mais oportunidade de voltar pro mercado de trabalho, aí continuei na rua”, relembra;

Devido à falta de opção de oportunidades no mercado de trabalho formal, ele foi se adaptando a cultura de vendedor ambulante, para garantir seu salário no final do mês. “Não tem uma coisa certa assim pra vender sabe, um dia eu vendo guarda chuva, no outro eu vendo sempre alguma coisa diferente”.

Diante da pandemia, Jaime não teve opção de parar suas atividades, assim ele começou a repensar novas alternativas para ganhar dinheiro, e uma delas foi vender máscaras na feira do Campo limpo. “Estou aqui na feira vendendo máscara infantil, máscara de algodão, máscara neoprene, máscara de adulto. É o que eu to fazendo no momento agora”, explica o morador, relatando sua estratégia de geração de renda em meio à pandemia.

“Dá pra tirar um dinheirinho sim pra sustentar minha família”, afirma ele, lembrando que seu rendimento mensal durante a pandemia diminui, mas ainda está conseguindo se auto sustentar, porém o vendedor ressalta que as ruas neste momento não é tão reconfortante como antes. “Eu não gostaria de estar na rua né, trabalhando, se expondo, arriscando pegar um vírus, e acabar ficando doente, mas eu preciso estar na rua trabalhando para poder sobreviver né”, argumenta.

No Capão Redondo, distrito vizinho do Campo Limpo, a moradora Claudiene Santos, mais conhecida em seu bairro por Cacau, 26, é manicure há oito anos. Cacau costuma atender em sua casa. Segundo ela, a flexibilidade de horários para fazer suas demais tarefas foi um dos principais motivos para trabalhar por conta própria. “Trabalho em casa por conta da minha filha, assim não preciso pagar ninguém para cuidar dela. Posso fazer meus horários, pois preciso conciliar com os horários da escola e alguma consulta médica que eu precisar ir”.

Assim como o vendedor ambulante, a manicure começou a trabalhar por conta própria em casa por falta de emprego formal. Logo nas primeiras semanas do isolamento social, Cacau se viu preocupada, pois todas suas clientes deixaram de ir até ela para fazer as unhas. “As clientes sumiram no começo da quarentena, tipo sumiram mesmo, fiquei praticamente um mês sem trabalhar”.

A partir deste momento, a sensação de desespero tomou conta de Cacau. “Fiquei desesperada, pois meu marido é Uber e estava muito difícil pra ele também, quase não chamavam. Então não conseguimos o auxílio emergencial e também não tínhamos nenhuma garantia de renda”, afirma.

Letramento digital distante

A partir das experiências relatas pelos empreendedores, torná-se notável a distância entre eles e o letramento digital, termo que consiste num conjunto de técnicas e habilidades para interagir com diversas mídias e plataformas, produzindo informação e estratégias de sociabilidade a partir do manuseio de computadores desktop e dispositivos móveis.

A tentativa de Jaime de reduzir seu tempo de exposição na rua retrata bem esse cenário de dificuldades para utilizar das ferramentas tecnológicas no dia dia. “Às vezes eu exponho meus produtos pelo WhatsApp, pelo status, mas tem hora que não tem jeito é preciso sair de casa”, diz o vendedor ambulante. Para ele, o baixo alcance das vendas, por meio da exposição dos seus produtos no status do WhatsApp, faz da rua a melhor opção para conseguir aumentar sua renda.

O ambulante acredita a inexperiência com ferramentas tecnológicas amplia as dificuldades com o negócio nesse momento. “Eu sou um pouco leigo em relação à tecnologia né, eu não sei mexer muito também. Dependo da minha filha, dependo da minha esposa, mas elas sempre me ajudam, mas eu tenho um pouco de dificuldade”, enfatiza.

Ao invés de migrar para o WhatsApp, a manicure buscou usar plataformas como Facebook e Instagram para tentar conquistar novos clientes. “Eu comecei a usar as ferramentas do Facebook e Instagram agora né, porque antes eu tinha medo, não sabia mexer, mas eu comecei a fazer agora. Mas eu só posto as coisas, faço o básico, eu não sei fazer o que o restante das pessoas fazem no Instagram”, diz Cacau.

Mesmo com suas dificuldades, ela continua persistindo em aprender um pouco mais das tecnologias que têm acesso em busca de impactar e valorizar o seu negócio. Porém, ela ressalta que sua maior metodologia de marketing continua sendo o uso das indicações de clientes.

“A maioria das minhas clientes são todas antigas, todas elas indicam para alguém. Então mesmo que venha do Facebook, foi porque alguém indica aí elas procuram no Facebook ou no Instagram e me encontra”, explica ela, enfatizando que só assim para atrair novas pessoas a conhecerem o seu trabalho e despertar nelas o interesse em pedir o número de contato para agendar um horário.

Dificuldade Compartilhada

“Não é tão fácil vender produtos pela internet, não adianta você postar uma foto e falar assim: ‘eu to vendendo’, tem que ter recurso, tem que ter muita coisa que eu não tive como opção entendeu?”, testemunha Valdirene Rodrigues, 47, moradora da Vila industrial, periferia da Zona leste de São Paulo, que trabalha por conta própria em sua casa como costureira.

Com dificuldades para vender seus produtos pela internet, ela conta o impacto da perda do contato presencial com clientes. “Eu não tinha como receber as pessoas em casa, e nem tinha como ir até elas, então a situação ficou bem complicada né”.

Durante a pandemia, Valdirene não conseguiu prosseguir com seu trabalho, pois não conseguiu realizar atendimentos presenciais. Ela também não conseguiu usar a tecnologia a seu favor, pensando nisso, observou uma forte demanda em seu bairro por máscaras e começou a produzir e comercializar.

“Eu comecei a fazer máscaras para venda né e continuo fazendo, porque ainda tá difícil”, afirma a costureira. Ela acredita que se tivesse o domínio de recursos tecnológicos para auxiliar no seu trabalho e divulgar seus produtos isso ajudaria a melhoras as vendas.

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