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Mostra celebra a parceria de Dona Ivone Lara e Nise da Silveira pela saúde mental brasileira

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O projeto acontece em Mogi das Cruzes, São Paulo, entre 13 de abril a 18 de maio e conta com atividades gratuitas em cinco espaços culturais da região.

A mostra “Ivone & Nise: um reencontro” é idealizada pela artista visual Mariana da Matta e a multiartista Pâmella Carmo, com o objetivo de eternizar o legado da cantora e compositora Dona Ivone Lara em sua atuação como enfermeira, assistente social e terapeuta ocupacional, especialmente quando trabalhou na equipe da médica Nise da Silveira, no Hospital Psiquiátrico Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, nos anos 1940. A Mostra está aberta para visitação entre os dias 13 de abril e 18 de maio, na Pinacoteca de Mogi das Cruzes, em São Paulo, com entrada gratuita. 

As datas de abertura e encerramento da Mostra foram escolhidas a partir de dois marcos: em 13 de abril, abertura do evento, Dona Ivone Lara completaria 102 anos. Já o encerramento, em 18 de maio, marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.

Pela valorização da obra humanitária de Dona Ivone Lara

A ideia da mostra é dar visibilidade para outras facetas da sambista que foram fundamentais para a história do Brasil. O objetivo também é resgatar memórias que se perderam no tempo e que apontam uma das faces do racismo: a invisibilidade de personagens negras em diversas áreas do conhecimento.

Antes de ser a primeira mulher a fazer parte de uma ala de compositores de escolas de samba e passar a dedicar-se somente à música, a sambista trabalhou por 37 anos no Hospital Engenho de Dentro. Sob a supervisão da psiquiatra Nise da Silveira, a jovem Ivone utilizava a música como estratégia de tratamento na seção de terapia ocupacional.

Além de falar sobre o seu trabalho terapêutico com música no hospital, a proposta da mostra busca contribuir com ações de reparação para reconhecer o importante papel da grande dama do samba na construção de metodologias e práticas de cuidados humanizados pioneiros em sua época e local, como a ressocialização e desinstitucionalização de internos.

Serviço

Mostra “Ivone & Nise: um reencontro” | Instagram @ivone.e.nise
De 13 de abril a 18 de maio de 2024
Local da exposição: Pinacoteca de Mogi das Cruzes – R. Cel. Souza Franco, 993, Centro, Mogi das Cruzes – SP 

Programação 

Exposição 
Pinacoteca de Mogi das Cruzes
Abertura: 13/4, das 16h às 20h, com roda de samba às 18h
Visitação: 16/4 a 18/5/24. Terças a sextas, das 9h às 17h. Sábados, das 9h às 12h.

A exposição conta a história de Dona Ivone Lara e Nise da Silveira na saúde mental brasileira por meio de trabalhos de artes visuais e poesia, além de cenografia temática. É incentivada a participação do público na ação, de forma que possam desenhar ou escrever cartas que interagem com a proposta, em um ateliê integrado à exposição.

Atrações musicais

Pinacoteca (abertura): 13/4, sábado, às 18h
Ateliê Sementeira: 20/4, sábado, às 17h30
Congada Santa Efigênia: 27/7, sábado, às 18h30
Cursinho Popular Maio de 68: 4/5, sábado, às 18h

Rodas de samba e poesia com intervenção artística simultânea. Com participação de Pâmella Carmo, Mariana da Matta, Marlene Santana e Angelina Reis (Pretas Bás),Felipe Nogueira, Henrique Nogueira, Silas Xavier e Fernando Sd.

Oficinas – Inscrições neste link

Tenho Estima
Com Midori Camelo
Dia 9/5, quinta, das 18h às 21h, na Pinacoteca.

Tiê: brinquedo e ilusão
Com Vanessa Oliveira
Dia 20/4, sábado, das 14h30 às 16h30, no Ateliê Sementeira.

Tecendo Travessias
Com Mariana da Matta
Dia 16/5, quinta, das 18h às 21h, na Pinacoteca.

VIVÊNCIAS – Inscrições neste link

Pescar no Inconsciente o Estado do Sonho
Com Mariana da Matta
Dia 18/4, quinta, das 18h às 21h, na Pinacoteca.

O Tambu e o Tempo no espiral
Com Pâmella Carmo
Dia 27/4, sábado, das 14h30 às 17h30, na Congada Santa Efigênia.

Laboratório de Escuta de Imagens
Com Elidayana Alexandrino
Dia 25/4, quinta, das 19h às 21h, na Pinacoteca.

Quem são as mulheres invisíveis? Uma escavação ao passado
Com Larissa da Matta
Dia 8/5, quarta, das 19h às 21h, no Galpão Arthur Netto.

RODA DE CONVERSA
Sankofa e as tecnologias ancestrais para produção de saúde integral
Dia 4/5, sábado, das 15h às 17h30, no Cursinho Popular Maio de 68
Bate-papo sobre a atuação de Dona Ivone Lara na saúde mental e sua parceria com Nise da Silveira, a partir do conceito de Sankofa. Serão discutidas também tecnologias ancestrais e práticas culturais e artísticas como recursos terapêuticos. Com Ana Paula Soares, psicóloga e Domenica Almeida, terapeuta ocupacional.

CORTEJO
Ruas do centro da cidade
Dia 18/5, sábado, das 9h às 13h (concentração às 9h, saída às 10h)
Encerramento da mostra com um cortejo pelas ruas centrais da cidade, composto por artistas e público participante das atividades ocorridas nos espaços parceiros. Aberta à população, a ação afirmativa ocorre no Dia Nacional da Luta Antimanicomial e visa difundir a pesquisa sobre Dona Ivone Lara e Nise da Silveira com arte, cultura e saúde mental, por meio de um coro musical e trabalhos artísticos resultantes das ações formativas da mostra. O cortejo é concluído com chegada à instalação, na Pinacoteca, onde é prevista apresentação de canto dos usuários do CAPS e fala de encerramento.

Locais

Pinacoteca – R. Cel. Souza Franco, 993, Mogi das Cruzes – SPAteliê Sementeira – R. Manoel Inácio Silva Alvarenga, 206, Mogi das Cruzes – SP
Galpão Arthur Netto – R. Rui Barbosa, 248, Mogi das Cruzes – SP
Cursinho Popular Maio de 68 – R. Dr. Paulo Frontin, 365, Mogi das Cruzes – SP

Rose Dorea, articuladora da Cooperifa, conta como a sua trajetória se vincula à história do sarau

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Em plena correria da realização da 14ª Mostra Cultural da Cooperifa, Rosilene da Costa Dorea, 50, mais conhecida como Rose Dorea, entre uma ligação e outra, em uma manhã de sexta-feira, nos recebe na sua casa, no bairro Jardim Panorama, que fica na cidade de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo.

Além de articuladora e integrante do Sarau da Cooperifa, Rose trabalha como assistente administrativa da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Jardim Santo Onofre, em Taboão da Serra, e cursa graduação em Serviço Social. A articuladora também é mãe solo do Joshua Zali, de 13 anos.

Rose e seu filho Joshua Zali no aniversário de 22 anos do Sarau da Cooperifa (foto: Ricardo Vaz)

Rose é integrante do Sarau da Cooperifa desde 2001, e já vivenciou várias transformações e conquistas no sarau. “A Cooperifa é um lugar que muda a vida, tem vários depoimentos das pessoas falando de coisas que elas não imaginavam que poderiam fazer e estão fazendo [inspiradas pela Cooperifa]”, conta Rose.

A Cooperifa é um movimento cultural e literário que acontece desde 2001, e semanalmente viabiliza um espaço de trocas literárias, além de promover encontros entre pessoas de várias quebradas na zona sul de São Paulo. 

A atuação enquanto articuladora e produtora cultural conecta Rose com muitas pessoas dos territórios. Ela conta que muitas delas acham que ela é uma mulher brava, no entanto, o que define a sua personalidade é a lealdade, como conta. “As pessoas me vêem como uma mulher brabona, que eu não sou, eu sou uma pessoa chorona, entendeu!? Acho que eu tenho muito axé, [e] sou muito protegida pelos Deuses”, comenta Rose.

Trajetória

“Eu sempre tive um lado de liderança, tanto que eu fui chefe de formatura do colegial. Sempre tive esse lado do querer fazer, querer ajudar as pessoas”. Rose comenta que além desse senso de liderança, que ela tem desde a infância, a proatividade também é uma de suas características que está presente nas diferentes funções que ela desempenha. 

Foi com o intuito de ajudar diretamente as pessoas que ela decidiu estudar Serviço Social, e também por ser uma área com a qual tem contato através do seu ambiente de trabalho na UBS. “Sou do administrativo, mas eu saio da minha mesa várias vezes para resolver problemas. Vamos supor, [para] ajudar um idoso, ajudar uma mãe que chega lá para resolver alguma coisa”, menciona. Antes de atuar como assistente administrativa, Rose trabalhava como vendedora, e conta que uma das suas características é ser desenrolada. 

O trabalho como produtora não é algo recente. Nos anos 90, Rose fez a produção de uma equipe de som, e durante quatro anos trabalhou como produtora geral, na coordenação dessa equipe. Anos depois, se conectou com a Cooperifa.

Aniversário de 22 anos do Sarau da Cooperifa, Sérgio Vaz ao microfone (foto: Viviane Lima)

A conexão de Rose com a Cooperifa aconteceu de forma natural. A produtora tinha um amigo em comum com Sérgio Vaz, um dos fundadores do sarau, que os apresentou. Tempos depois, Rose e Vaz também trabalharam juntos na Câmara Municipal de Taboão, e a partir disso a amizade se concretizou. Ela também conta que estava na primeira conversa informal sobre a Cooperifa, junto com Marco Pezão e Sérgio Vaz, fundadores do sarau, em 2001, no bar do Português, no centro de Taboão da Serra. 

“Quando ele [Sérgio Vaz] deu a ideia de que ia fazer um sarau, eu não sabia o que era, [mas] eu sou curiosa, então eu queria saber. E aí eu comecei a frequentar desde o primeiro sarau, [que] foi na estrada do São Francisco, no [bar] Garajão, aqui em Taboão da Serra”, compartilha Rose. Por ser boa em comunicação, ela recepcionava quem chegava, algo que faz até hoje, e assim conquistou o título de musa da Cooperifa.

Com a venda do bar Garajão, em 2002, o sarau migrou para o Bar do Zé Batidão, na Chácara Santana, na zona sul de São Paulo, onde acontece até hoje, toda terça-feira, a partir das 20h30. Rose afirma que todo mundo é bem vindo e tratado de igual para igual, a única regra para participar é saber chegar com respeito. 

13ª Mostra Cultural da Cooperifa (foto: Ricardo Vaz)

A conexão com o movimento literário foi um marco importante na trajetória da articuladora. “Eu volto a estudar [em 2005] realmente por conta da Cooperifa, para tentar entender o que era falado”, conta. Antes disso, Rose tinha estudado até a 8° série, pois havia perdido o interesse pela escola devido às dificuldades que tem de leitura, por conta da dislexia.

“Para uma pessoa disléxica é muito difícil, porque você é tratado como burro. Virou um trauma, porque eu repeti por três anos a 1° série”. Rose se emociona ao falar dos enfrentamentos que passou devido a descoberta tardia de dislexia, que veio aos 44 anos.

Atualmente, além de assistente administrativa, durante a Mostra Cultural da Cooperifa, Rose atua como produtora cultural. Nessa função, ela recebe os grupos convidados para se apresentarem na Mostra, participa da elaboração da programação e faz parte do grupo que pensa o evento como um todo, além de cuidar da alimentação da equipe e dos repasses de como está o andamento dos eventos. 

“Eu me considero uma produtora cultural da rua, porque eu aprendi na raça, eu aprendi dentro da Cooperifa”

Rose Dorea, graduanda em Serviço Social e articuladora no Sarau da Cooperifa.

A articuladora cultural menciona que embora tenha admiração pela literatura, não tem a intenção de ser uma escritora, que gosta mesmo é de fazer as coisas acontecerem nos bastidores. “Eu gosto, faço parte e acredito muito na literatura, na poesia e na cultura, mas não me vejo como poeta”, pontua.

Musa da Cooperifa

Rose comenta que no início, no sarau, tinham mais homens do que mulheres, por conta das multitarefas que a elas socialmente são encarregadas, e pelo tabu que existe de mulheres frequentarem bares. No entanto, ela considera que isso esteja mudando. “O sarau deu visibilidade para nós mulheres. De mostrar que é um bar, mas você tem direito de estar onde você quiser”, menciona.

Ela aponta que os feitos mais importantes da Cooperifa foi apontar que a poesia está sim ao alcance das periferias e auxiliar no combate a estigmas que desvinculam a cultura, arte e educação desses territórios. “Começamos a ver a nossa quebrada falando de nós para nós. Essa é a grande importância da Cooperifa e ter esse olhar pelos professores, pela escola”, diz Rose.

Rose no Bar do Zé Batidão, onde acontece o sarau da Cooperifa, toda terça-feira. (foto: arquivo da Cooperifa)

Desde 2001, Rose foi titulada como a musa da Cooperifa, durante a primeira edição do prêmio da Cooperifa. Na ocasião, ela fez a entrega das medalhas, recepcionou quem chegava e com o tempo esse título foi se firmando junto com a admiração das pessoas que frequentam o sarau. “Eu falo que eu sou uma colaboradora e sou a musa da Cooperifa, eu tenho muito orgulho desse título”, comenta.

Rose também participa de palestras, rodas de conversas e considera que seja uma referência no território. Ela conta que desde 2021, tem ocupado esses lugares de fala.

“É uma trajetória de muita luta, porque tem 22 anos que eu estou na Cooperifa e agora que sou chamada para um monte de coisas. Acho que é porque me permiti mais a ver que eu tenho um lugar de fala, mas estou dizendo um lugar de fala como uma mulher preta, entende? [E enfrentar] os medos, porque a gente sabe que o que você fala não tem volta, tem que ter muita responsabilidade do que você fala”

Rose Dorea

“Eu estou vivendo um ano de reconhecimento, mas também de muito aprendizado e acho que uma coisa está muito ligada a outra”, finaliza Rose, que cita sobre sua trajetória ser de luta e construção.

Jornada das Pretas: encontro final debate estratégias de enfrentamento à violência política de raça e gênero

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“Agir sempre foi preciso e a cada dia a minha, a nossa inteligência, nos garante que não é sobre topos e sim novos horizontes”, foi assim, com poesia e música, que Danuza Novaes abriu o último encontro de 2023 da Jornada das Pretas. De forma virtual, 30 mulheres se reuniram para uma troca sobre o enfrentamento à violência política de raça e gênero, no último encontro do ano que aconteceu na manhã do dia 28 de outubro.

A Jornada das Pretas é um projeto que promove capacitação, formação e acolhimento para mulheres negras cis, trans e travestis, que são lideranças políticas em diferentes partes do Brasil. Essa iniciativa é realizada desde 2021, pela Oxfam Brasil, em conjunto com o Instituto Alziras, Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco.

O encontro de encerramento proporcionou trocas de informações sobre a Lei de Violência Política de Gênero, a fim de identificar os avanços e desafios para o enfrentamento e a prevenção das várias situações de violência política que vem atingindo parlamentares, candidatas e ex-candidatas, negras cis e trans.

Para debater sobre o assunto, foram convidadas: Fabiana Pinto, coordenadora de pesquisa e de incidência política do Instituto Marielle Franco, e a Doutora Raquel Branquinho, que é Procuradora Regional da República, coordenadora do núcleo de ações criminais originárias e do grupo de trabalho de prevenção e combate a violência política de gênero.

A facilitadora do encontro foi Mônica Oliveira, que é assessora parlamentar e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, e que abriu o dia com um breve resgate dos dois encontros anteriores, que abordaram respectivamente sobre Fundo Eleitoral e Estratégias de comunicação para campanhas eleitorais.

CONTEXTO

Fabiana Pinto ressaltou que esse é um tema difícil de ser tratado, considerando que, provavelmente, muitas das mulheres presentes no encontro já haviam vivenciado experiências de violência política de gênero e raça, mas apresentou ações e estratégias criadas através do Instituto Marielle Franco, a fim de auxiliar no combate dessas violências.

“Em 2020, foi a primeira eleição municipal onde o Instituto Marielle Franco existia, foi a primeira eleição municipal desde o assassinato da Marielle. Num primeiro momento a gente queria poder fomentar o debate e entender o que é defender o legado da Marielle e dar instrumentos para a candidatura de mulheres negras”, trouxe Fabiana sobre o contexto em que a Agenda Marielle Franco foi criada.

“A violência política é algo quase inerente dos processos eleitorais brasileiros há anos, só que a forma que a violência política vai operar contra corpos de mulheres negras, trans, travestis e mais do que isso, as possibilidades de proteção e de acolhimento são distintas para esse grupo de mulheres”

Fabiana Pinto, coordenadora de pesquisa e de incidência política do Instituto Marielle Franco.

Raquel Branquinho apontou alguns tipos de violência que afetam as mulheres no âmbito da política. “A violência política se reproduz por várias formas. Subliminar, verbal e não verbal, patrimonial, econômico, na parte do financiamento, discriminação das mulheres nos seus espaços de trabalho, nas Câmaras Municipais, nas Assembleias Legislativas e isso é um contexto social. Muitas vezes as próprias vítimas não identificam essas situações”, alertou a Procuradora Regional da República.

Dados apresentados pela Fabiana, produzidos pelo Instituto Marielle Franco, apontam que apenas 32% do total de candidatas negras já fez algum tipo de denúncia, considerando como denúncia, além do ato de ir à delegacia, o fato de tornar público o episódio ocorrido. Segundo os dados, 46% das candidatas negras justificaram que não se sentem seguras para poder denunciar, por entenderem que isso poderia vulnerabilizar a campanha delas.

Foi a partir de 2021, com a aprovação da lei 14.192, que a violência política de gênero passou a ser classificada como crime.

Antes, essas denúncias ficavam sob a responsabilidade da Polícia Civil, e, por vezes, acabavam se perdendo no volume de situações para serem investigadas, o que não gerava resultados, conforme a fala da Raquel.

“Quando for assédio, perseguição, humilhação, constrangimento, qualquer um daqueles verbos que estão descritos no artigo 326-B do código eleitoral, que tem como alvo candidatas ou detentoras de mandato eletivo, é um crime eleitoral que deve ser apurado pela polícia federal e pelo Ministério Público eleitoral brasileiro”, traz Raquel.

ESTRATÉGIAS E DIREITOS POLÍTICOS ELEITORAIS PARA AS MULHERES

Em 2020, a partir de denúncias e da busca frequente de ajuda das candidatas, Fabiana relata que o Instituto passou a mapear quais tipos de violência política eram cometidos contra as mulheres e como esses casos estavam sendo encaminhados. Verificando também os problemas que há no sistema político e nas instituições que poderiam acolher essas mulheres.

Desse mapeamento, foram feitos os seguintes levantamentos: 8 a cada 10 candidatas negras sofreram violência virtual, em 2020. 6 a cada 10 candidatas naquela eleição sofreram violência moral e psicológica.

Com base no mapeamento, Fabiana relatou também que 5 a cada 10 candidatas sofreram violência institucional. Ela destaca que as violências institucionais, geralmente, ocorrem no interior dos partidos políticos, no próprio sistema eleitoral e também em outras instâncias.

A coordenadora de pesquisa e de incidência política do Instituto Marielle Franco, apontou que, diante dessas informações, o Instituto Marielle Franco identificou que as ações de combate a violência política de gênero teriam que ocorrer em diversas frentes, já que os agentes agressores também operam em diferentes áreas.

Uma das estratégias apontadas por Raquel Branquinho para lidar com as violências políticas que as mulheres negras enfrentam, passa pelo conhecimento. “Temos tentado reforçar o conhecimento pelas próprias vítimas, o reconhecimento pelo sistema, pela advocacia e pelos grupos de apoio dos direitos para que a gente possa cobrar do sistema jurídico respostas mais eficazes”, comenta.

A Procuradora Regional da República também menciona que esse sistema, por vezes, reproduz as práticas de exclusão da sociedade e que desse modo não têm a capacidade necessária para fazer as análises na perspectiva de gênero.

“Muitas vezes há uma revitimização dentro do próprio sistema. Quando nós temos o maior conhecimento possível das situações envolvendo os nossos direitos é mais fácil cobrar que se aplique a legislação”, reforça Raquel Branquinho.

Como forma de viabilizar a obtenção desses conhecimentos, a Procuradora Regional da República indica o site do Ministério Público Federal como fonte de acesso à informação.

Fabiana comenta que ao identificar que mulheres negras, principalmente mulheres trans e travestis, mesmo após serem eleitas, seguiam sendo alvo de ameaças e que a institucionalidade não representava mais proteção para esse grupo de mulheres, o Instituto Marielle Franco, nessa dimensão de proteção, lançou a campanha Não Seremos Interrompidas.

“[Essa campanha] atua, sobretudo, no processo eleitoral, no acompanhamento de candidatas e de parlamentares negras já eleitas, adotando estratégias para alcançar proteção [através do] reconhecimento das parlamentares negras como defensoras de direitos humanos”, comenta Fabiana. Ela explica que o Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos é o mecanismo que tem viabilizado essa tática.

Outra ferramenta que o Instituto tem utilizado para viabilizar a proteção de mulheres negras atuantes na política é o acesso ao Fundo de Ação Urgente e ao Fundo Brasil de Direitos Humanos.

Fabiana cita que a mobilização para a criação de legislações específicas que contemplem mulheres negras atuantes na política, é mais uma das estratégias do Instituto. Ela comenta também que, conforme a lei 14.192, é previsto que todos os partidos alterem o próprio estatuto indicando mecanismos para o enfrentamento a violência política, e o Instituto Marielle Franco atua para que os partidos políticos cumpram essas determinações da lei.

Durante o encontro, Fabiana e Raquel mencionaram a importância da criação e do uso de canais de denúncia como ferramentas para acompanhar e encaminhar os crimes notificados. A Sala de Atendimento ao Cidadão, do Ministério Público Federal, assim como a Ouvidoria da Mulher, do Tribunal Superior Eleitoral, foram alguns dos canais citados.

O canal Fale Conosco da Câmara dos Deputados; a Procuradoria Regional Eleitoral; a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo; a Secretaria da Mulher, da Câmara dos Deputados e o próprio Ministério da Mulher são canais indicados para recebimento de denúncias. 

Além disso, as profissionais ressaltaram a importância de acompanhar e cobrar o resultado dos casos.

REDE DE APOIO

Em determinado momento as 30 participantes foram divididas em quatro grupos, para que todas pudessem falar de suas vivências e impressões sobre o tema. Em seguida, se reuniram e uma porta-voz de cada grupo apresentou os principais pontos abordados nessas conversas.

Conhecer bem como o partido funciona, ocupar cargos de liderança no partido, participar de movimentos sociais, buscar adesão popular, colocar afetividade no centro das candidaturas, fortalecer as redes de cuidado e de apoio, buscar capacitações e formação política, se articular com outras mulheres e cuidar da saúde mental foram algumas das estratégias citadas pelas participantes.

“Uma candidatura de mulheres negras não é um projeto individual, porque nós nem temos força individual, nem familiar para segurar uma campanha. Ou as nossas campanhas são coletivas ou elas não acontecem” , afirma em entrevista Zuleide Queiroz, 56, sobre estratégias que têm utilizado para se manter atuante na política partidária desde 2003.

Zuleide Queiroz participa da política partidária desde 2003 (foto: Eline Luz)

Zuleide é professora de pós-graduação, pesquisadora, militante, integra a diretoria e a coordenação Estadual do Movimento Negro Unificado (MNU) no Ceará, é do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC) e ocupa a presidência do Sindicato dos Docentes da Universidade Regional do Cariri (Urca), região localizada no Ceará, onde Zuleide mora.

Buscar ocupar vários espaços é um movimento que a professora tem feito para se articular politicamente, assim como se organizar em redes e participar dos movimentos sociais.

Zuleide Queiroz mora no Ceará, é professora de pós-graduação, pesquisadora e militante (foto: Eline Luz)

“A experiência na Rede Mulheres Negras para mim foi fundamental, para [eu] me reconhecer negra, ter estrutura, ter condições para disputar um cargo na política e discutir em audiências públicas as políticas públicas para a população negra”, conta Zuleide.

Essa também tem sido a movimentação de Nazaré Cruz, 43, que atua na política partidária desde 2007. “Uma das [minhas] estratégias é ter redes de apoio e me relacionar com outras mulheres negras e com outros companheiros negros. Tendo essa articulação mais interna, como também fora do partido. Dentro dos movimentos sociais tem muito esse apoio”, relata em entrevista.

Nazaré, é de Belém do Pará, militante do movimento negro, mãe, trancista e historiadora de formação. Atualmente, trabalha como diretora de assistência social na Secretaria de Estado, do Governo do Pará.

Nazaré Cruz atua na política partidária desde 2007 (foto: Jhonny Russel)

Embora conheça a lei 14.192, tenha feito e participado de pesquisas sobre violência de gênero, Nazaré diz que desconhecia os mecanismos e os canais de denúncia apresentados no encontro, e que também não sabia das informações que pode obter no site do Ministério Público Federal.

Assim como Nazaré, antes do encontro, Zuleide não sabia da possibilidade de fazer as denúncias. “Agora com essa legislação a gente sabe que a Justiça Eleitoral está atenta a essas questões [de gênero]”, pontua Zuleide, que será candidata em 2024. O ponto principal do encontro, para ela, foi aprender a reconhecer o que é a violência política.

Nazaré comenta que não sabe se vai concorrer às eleições de 2024, mas menciona que as candidaturas de mulheres negras são construídas aos poucos, ao longo das gerações, e que é preciso ocupar os espaços na política mesmo tendo que enfrentar as violências que existem. Para ela, entender os processos burocráticos, assim como buscar conhecimentos em diversas áreas, é algo necessário para as campanhas de mulheres negras que, geralmente, possuem pouco recurso e precisam cumprir várias demandas.

“É imprescindível que, principalmente nas eleições de 2024, se tenha um olhar mais atento para as campanhas femininas, para que nos municípios a gente possa ocupar espaço nas Câmaras de Vereadores [e] nas Prefeituras, porque [a quantidade de mulheres negras que há] é muito aquém da realidade da sociedade brasileira, que tem mais da metade de mulheres e mais da metade nesse segmento de pessoas pretas”, trouxe Raquel Branquinho em suas considerações finais na Jornada das Pretas 2023.

Jornada das pretas: encontro promove trocas sobre comunicação para campanhas eleitorais de mulheres negras

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O segundo encontro da Jornada das Pretas 2023, que aconteceu em formato virtual no dia 21 de outubro, iniciou no ritmo do Cacuriá, dança típica maranhense, apresentada pelo coletivo Cacuriá de Dona Teté. A dança abriu os caminhos para as trocas de ideias que se estenderam pela manhã de sábado, e que teve como tema principal as estratégias de comunicação para campanhas eleitorais.

Desde 2021, a Oxfam Brasil, em parceria com o Instituto Alziras, Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco, reúnem organizações, especialistas e mulheres negras atuantes na política partidária, com o objetivo de promover espaços de formação e fortalecimento de agendas políticas lideradas por mulheres negras cis, trans e travestis de várias regiões do Brasil.

O segundo encontro da Jornada contou com a mediação de Mônica Oliveira, assessora parlamentar e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, que em sua fala inicial apresentou um resumo de como foi o encontro anterior.

As convidadas que trocaram sobre o tema foram Mariana Nogueira, profissional da área de marketing, que pesquisa sobre política e já atuou em campanhas, e Jheniffer Ribeiro, coordenadora de comunicação do Mulheres Negras Decidem.

Ao longo do encontro, as convidadas apontaram estratégias, exemplos teóricos e práticos sobre como fazer o planejamento de comunicação para campanhas. Nesse processo, ressaltaram as particularidades e as possibilidades das candidaturas de mulheres que possuem limitações de recursos e de tempo.

Mariana Nogueira apontou que o período de pré-campanha – que vai até o dia 16 de agosto de 2024 – já começou, e com isso, vários homens, especialmente homens brancos, já estão fazendo campanha desde a última eleição. “[Eles] não param porque têm toda uma rede de apoio, de recursos, que faz com que possam se dedicar exclusivamente à política”, coloca a especialista em marketing.

Definição de estratégias

Em sua fala, Mariana menciona que para começar uma pré-campanha é importante que as pré-candidatas e a equipe de comunicação estejam cientes e atualizadas sobre a lei de comunicação eleitoral que muda com frequência.

A profissional explica que é proibido pedir voto no período de pré-campanha, assim como transmissão ao vivo por emissoras de rádio das prévias partidárias. Outro ponto que é vetado, é a realização de publicidade por meio de outdoor, seja físico ou eletrônico, tanto na pré-campanha, como no período eleitoral, que acarreta em multa no caso de descumprimento das regras. 

Mariana também apresentou o que é permitido e recomendado: fazer menção à candidatura e exaltar as próprias qualidades como alguém que vai se colocar como candidata, não configura como campanha antecipada. 

“Participar de entrevistas, programas e de encontros para debater o que essa candidata defende, quais são as suas ideias, participar de debates em rádio, televisão e internet também é permitido. Discutir políticas públicas, planos de governo e alianças partidárias, essas coisas também podem ser divulgadas”, exemplificou Mariana.

A construção de imagem também é uma das etapas da comunicação. Essa é uma fase que antecede a divulgação da pré-campanha, segundo Mariana: “É preciso traçar estrategicamente a imagem dessa pessoa que vai concorrer à eleição, que não necessariamente deve ser a mesma imagem que você propaga em alguns ambientes da sua vida pessoal”. A profissional do marketing também destaca que essa imagem precisa ter permanência e coerência.

Segundo Mariana, a permanência tem a ver com símbolos adquiridos ao longo da trajetória e que as pessoas associam à imagem da candidata, como alguma pauta social. “É importante construir essa permanência porque as pessoas vão saber que, de fato, você é uma pessoa que faz política mesmo antes da eleição”, coloca. 

No aspecto da coerência, a especialista em marketing explica: “Ainda que a sua imagem enquanto candidata não seja a mesma que você propague em determinados ambientes do âmbito familiar ou da sua militância, essa imagem precisa ter uma coerência com aquilo que você é, com aquilo que você representa, com o que você acredita e as suas atitudes”, pontua.

Jheniffer Ribeiro salienta a importância de traçar um planejamento de comunicação com foco na construção de uma narrativa. 

“Ter esse controle da narrativa de nós mesmas, [é importante para definir] o que a gente quer colocar na rua e como a gente quer conversar com o nosso eleitorado”

Jheniffer Ribeiro é coordenadora de comunicação do Mulheres Negras Decidem

A coordenadora ressalta que o planejamento traz a liberdade de ter, a partir da narrativa, o controle do que se deseja transmitir. Para ela, um diferencial potente que há nas campanhas de mulheres negras são as narrativas. “É como as nossas histórias, em alguma medida, se aproximam do nosso eleitorado”, menciona.

Mariana afirma que toda campanha precisa ter pelo menos um público-alvo e uma pauta principal bem direcionada. “Para [saber] como a gente atinge o eleitorado que a gente quer trazer para perto”. 

Jheniffer aponta que é preciso ter um foco na comunicação. “Se você falar de tudo não consegue focalizar e ser explícita e objetiva [sobre] onde a sua campanha vai levar as pessoas, porque as pessoas têm que votar em você”, pontua.

“É importante que você defina com quem quer falar e a partir disso [desenvolva] estratégias para poder conversar com essas pessoas, porque essas estratégias não são uma coisa uníssona”

Jheniffer Ribeiro

Ambas as convidadas apontaram sobre a necessidade de traçar um projeto político que demonstre como se pretende melhorar a vida das pessoas. Definir o eleitorado também foi um ponto destacado pelas comunicadoras.

Possibilidades na comunicação online

Mudar o nome da rede wi-fi pelo o nome e número da candidata, pois isso pode se espalhar entre os vizinhos. Estar em eventos, não necessariamente políticos, ajuda a furar a bolha de contatos. Criar núcleos de apoiadores locais que fortaleçam e ampliem o alcance das propostas de campanha. Essas foram algumas das dicas para a comunicação tanto online, como nas ruas.

Jheniffer trouxe táticas voltadas para a comunicação online, além do planejamento amplo de campanha. Segundo ela, é preciso ter um planejamento das redes sociais com cronograma e postagens regulares. Ela aponta que nas redes, as informações essenciais sobre o projeto político e sobre a trajetória da candidata precisam estar em destaque, assim como o número da candidatura. 

“As pessoas passam a associar a sua campanha a determinadas cores, a um jeito de falar e isso também vai criando mais conexão com o seu eleitorado”, comenta a comunicadora, que também colocou sobre dar preferência aos vídeos na produção de conteúdo, sendo a comunicação visual um elemento que dialoga com o eleitor.  

“A chave para uma campanha eleitoral eficaz é a autenticidade e a conexão com o eleitorado. É importante manter uma comunicação clara, ética e focada nos valores e propostas das candidatas, demonstrando comprometimento com a melhoria da vida das pessoas e a defesa dos direitos humanos”, ressalta Jheniffer.

Comunicação associada às vivências

Após as falas das convidadas, as 37 participantes foram divididas em quatro salas para que pudessem compartilhar suas experiências e percepções sobre o tema. Após essas trocas em grupos, todas voltaram a se reunir, e uma representante de cada grupo listou os principais pontos que surgiram dessas interações. 

A dificuldade de falar sobre si foi uma questão que surgiu em todos os grupos e também na fala de Gabriella Borges, que em entrevista, comentou que no início de sua candidatura tinha muita dificuldade para falar em público.

Gabriella Borges, mulher preta, travesti e moradora da periferia de Porto Seguro. (foto: Lorena Nubia)

“Foi um desafio enorme para mim fazer campanha, pedir voto, falar, porque eu tenho uma disforia da minha voz, mas hoje eu estou conseguindo me libertar dela e me superar”, comenta Gabriella, 43, mulher preta, travesti, moradora da periferia de Porto Seguro, cidade da Bahia, estudante universitária de química e que foi a primeira travesti eleita a presidenta de um partido político no Brasil.

Gabriella iniciou sua trajetória política em 2020, e no mesmo ano saiu como cabeça de chapa em uma campanha coletiva concorrendo ao cargo de vereança. Em 2022, concorreu às eleições como deputada estadual, e pretende se candidatar para as eleições de 2024. 

Durante o encontro, Mariana citou como essa dificuldade de falar de si é uma questão estrutural, fruto dos processos de racismo e da misoginia, e indicou o que pode ser feito diante dessa dificuldade. “Sempre tem um público que vai se conectar com aquilo que a gente tem de vivência e isso é muito importante para vocês que são candidatas, porque isso cria laços afetivos”, afirma. 

Jheniffer trás que as vivências e história das mulheres são diferenciais nessa comunicação. “O que tem de diferencial nas nossas campanhas é a nossa própria trajetória. Como nós chegamos até aqui, o que fez com que a gente chegasse até aqui, como isso se aproxima de um projeto de país, que de fato mude a vida das pessoas. Então é muito importante que você se apresente. Não tenha vergonha de contar sua história”. 

Estratégias de comunicação offline

Mariana trouxe indicações que podem ser colocadas em prática presencialmente, como o lançamento de campanha com panfletos e em lugares estratégicos. “Fazer um panfletaço é você se colocar enquanto um candidato presente que está próximo dos problemas daquela localidade em que você vai concorrer”, comenta.

Esse foi um ponto em comum apresentado entre os grupos, a importância de realizar ações de campanhas presenciais e estar perto do eleitorado. Em entrevista, Gabriella comenta que conseguiu expandir o alcance de suas propostas de candidatura através do apoio e do seu envolvimento com os movimentos sociais. Ela aponta que com o apoio da Coalizão Negra por Direitos, pode circular em diferentes regiões da Bahia, na pré-campanha, acompanhando os comitês antirracistas.

Através de sugestões das participantes, Mariana trouxe uma estratégia que foge da lógica das redes sociais, que é a possibilidade do uso da mala direta, considerando que nem todo mundo de fato tem acesso à internet. Ela também aponta sobre a relevância da TV nas campanhas. “O meio de informação mais utilizado pelo brasileiro é a televisão, a televisão ainda não foi superada por nenhum outro veículo de comunicação”, pontuou Mariana.

Ludimilla Teixeira, em 2020, concorreu a uma vaga na câmara municipal, e em 2022, disputou uma eleição para deputada estadual. (foto: Renan Peixe)

Em entrevista, Ludimilla Teixeira, coloca que, para ela, as campanhas presenciais são essenciais nas periferias. “Eu acredito que as rodas de conversa dentro das comunidades, o boca a boca, o disse me disse e o WhatsApp hoje consegue atingir melhor as pessoas que estão nas periferias, nos bairros mais empobrecidos e mais precarizados do que a gente ficar focado em rede social e internet”. Ela complementa: “Se possível brigar no partido pelo horário eleitoral também, porque engana-se quem acha que as pessoas não assistem”.

Mulher negra, de origem periférica, Ludimilla, 41, é natural de Salvador, na Bahia, graduada em publicidade e propaganda, e atua como servidora pública federal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ludimilla é fundadora do grupo Mulheres Unidas Contra o Bolsonaro, que deu origem ao movimento Ele Não, em 2018.

Ludimilla Teixeira criou o grupo Mulheres Unidas Contra o Bolsonaro, que deu origem ao movimento Ele Não. (foto: arquivo pessoal)

Em suas ações políticas, Ludimilla, que foi candidata à vereança em 2020, e em 2022, ao cargo de deputada estadual, destaca sua preocupação em falar de modo acessível com mulheres.

“Eu quero falar com aquela parte da população feminina que está perdida aí na alienação do patriarcado. E a gente vai falar sobre Simone de Beauvoir e Angela Davis? Não, eu vou falar da minha mãe com ela, eu vou falar das mais velhas da comunidade”

Ludimilla Teixeira

Ludimilla comenta, com exemplo próximo a estratégia apresentada pela Mariana e Jheniffer sobre a adaptação da comunicação de acordo com o público-alvo.

Formar redes de apoio foi mais uma das estratégias citadas pelas convidadas e pelas participantes. Nesse sentido, Ludimilla diz que caso não concorra à eleição em 2024, irá ajudar na campanha de outra mulher. “Não sendo candidata, pretendo estar trabalhando ativamente na campanha de alguma companheira, porque não adianta só ter uma de nós lá”, comenta.

Jornada das Pretas: organizações e mulheres negras atuantes na política partidária dialogam sobre Fundo Eleitoral

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“Não é de hoje e não vai acabar agora, vamos invadir teus discursos, recriar nossas memórias”. Foi com versos como esse, da canção “Contrato Assinado”, que Jaísa Caldas, artista piauiense, abriu a Jornada das Pretas 2023. A iniciativa, que está na 3ª edição, é uma realização da Oxfam Brasil em parceria com o Instituto Alziras, Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco.

O primeiro encontro da iniciativa ocorreu na manhã do dia 07 de outubro, online,  e reuniu 37 mulheres de vários estados do Brasil envolvidas e atuantes na política nacional, para trocarem experiências e dialogarem sobre o Fundo Eleitoral, tema central do primeiro encontro. A Jornada continua nos dias 21 e 28 de outubro.

“São mulheres negras de todo o Brasil, trans, cis e travestis, que desejam fortalecer as suas agendas políticas, que desejam um espaço seguro e fortalecedor para falar sobre participação política de mulheres negras”, menciona Bárbara Barboza, coordenadora da área de Justiça Racial e de Gênero da Oxfam Brasil.

Iasmin Barros, representante do Mulheres Negras Decidem, fala como o movimento se relaciona enquanto parceiro da Jornada, e menciona o objetivo geral da iniciativa. “Tentamos qualificar e promover agendas lideradas por mulheres negras buscando fortalecer a democracia e acreditamos que esses espaços de formação são fundamentais para que isso aconteça”, coloca.

“A gente sabe o quanto é difícil mulheres negras chegarem na política e aqui a gente vai tentar desmontar essas barreiras, tanto com a formação política, mas também com acolhimento”

Iasmin Barros, representante do Mulheres Negras Decidem.

O encontro, que teve como temática central o Fundo Eleitoral e como garantir o cumprimento da lei eleitoral no que se refere às cotas para as mulheres negras, contou com a participação de diversas mulheres que atuam no tema, como Mônica Oliveira, integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e facilitadora da Jornada das Pretas, além das convidadas Carmela Zigoni, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); Tauá Pires, diretora do Instituto Alziras, e Estela Bezerra, assessora especial de articulação interministerial do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que também foi deputada estadual com mandatos entre 2015 a 2022.

LINHA DO TEMPO

Antonieta de Barros, Luiza Bairros, Beatriz Nascimento, Benedita da Silva, Creuza Oliveira, Marielle Franco e outras mulheres negras, atuantes na política, foram lembradas e tiveram suas falas citadas no vídeo intitulado Mulheres Negras – Consciência Negra, apresentado por Carmela Zigoni, antes do início de sua fala, referenciando mulheres que lutaram e abriram caminhos na política para outras mulheres negras.

Assim como outras convidadas, Carmela traçou uma linha do tempo para apresentar a trajetória com os principais pontos sobre o Fundo Eleitoral. “Foi em 2014 que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a pedir a declaração de raça, cor, segundo as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para as candidaturas, e isso é um marco importante, porque é a partir dessa estatística que a gente começa a dar conta de pedir mais direitos nos processos eleitorais, maior democratização e institucionalidade”, menciona Carmela. 

Tauá Pires, relembrou que em 2015, aconteceu uma reforma política que proibiu o financiamento de campanhas por empresas. “E aí vem esse debate sobre ter um fundo público que permita o financiamento de campanhas e a gente vai ver o quanto isso é importante para o aprofundamento da democracia e para a participação de mulheres negras”.

O que é o Fundo Eleitoral? Exclusivo para o financiamento de campanhas, é um recurso distribuído para os partidos apenas no ano de eleição. A definição do fundo eleitoral é feita pela LOA (Lei Orçamentária Anual) e ele é transferido pelo Tesouro Nacional para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conforme explicou Tauá durante o encontro.

Na eleição de 2016, para cargos de vereança e Prefeituras, Carmela menciona que foi fixada a regra dos 30% de cotas para as mulheres. “Mas ainda não tinha uma regra específica para o financiamento de campanhas. Menos de 1% das candidaturas de mulheres negras nesse pleito, e menos de 0,1% de declaradas pretas”, conta.

Em 2018, uma nova regra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que os partidos deveriam repassar 30% dos recursos do fundo especial de financiamento de campanha para as candidaturas de mulheres.

Tauá, Carmela e Estela relembraram a importância de Benedita da Silva, que atualmente é deputada federal e referência no que diz respeito às conquistas de espaços e direitos de mulheres negras na política. Junto aos movimentos negros, em 2020, Benedita fez com que fosse direcionadada uma parte do fundo eleitoral para as candidaturas de mulherees e pessoas negras, conforme a proporcionalidade total dessas candidaturas no partido. 

“Benedita realizou uma consulta ao TSE em 2019 e o TSE acatou a aplicação, mas para eleição de 2022. E aí o STF interferiu e determinou que [a decisão] já seria para eleição de 2020”, relata Carmela. Segundo a assessora política do Inesc, os partidos, por sua vez, alegavam não saber como aplicar a sobreposição de cotas de mulheres e de pessoas negras, o que gerou uma desigualdade ainda mais acentuada nas candidaturas. 

Carmela aponta que enquanto o recurso para as pessoas brancas foi liberado no primeiro dia de candidatura, o de mulheres e pessoas negras demorou cerca de 15 dias para ser repassado, o que é um prejuízo significativo, considerando o tempo de campanha de 45 dias para o primeiro turno.

“Mesmo com essa identificação do problema que se deu internamente nos partidos para fazer o repasse, os partidos entraram com uma PEC, um Projeto de Emenda Constitucional, para anistiar os partidos, ou seja, para perdoar os partidos que não tinham feito repasse corretamente e foi aprovado”, conta Carmela sobre os desdobramentos que ocorreram após as eleições de 2020. 

Em sua fala, Carmela menciona também que houve a tentativa de implementar  uma minirreforma eleitoral, que não foi aprovada, e portanto, não vale para a próxima eleição. Mas ela pontua o que estava em jogo nessa proposta. 

“A cota seria por coligação e não por partido, teria uma redução de 20% dos recursos para mulheres e pessoas negras. Os recursos para mulheres poderiam ser utilizados por candidaturas de homens. Essa minirreforma favoreceria partidos maiores”, conta Carmela, demonstrando que direitos conquistados ainda não são garantias e seguem em disputa. 

Com falas complementares que apresentavam perspectivas e acontecimentos relacionados ao fundo eleitoral, as convidadas mencionaram que ter acesso aos dados, conhecimento sobre como os partidos políticos funcionam, se articular em coletivo para os enfrentamentos de disputas, construções dentro e fora dos partidos e manter-se informadas são estratégias fundamentais para as mulheres que querem ser eleitas. “A gente tem que ter conhecimento para poder viabilizar as nossas candidaturas”, aponta Estela.

COTA DO FUNDO ELEITORAL PARA MULHERES NEGRAS

Ao longo do encontro, as participantes puderam expor suas questões e experiências a partir de algumas perguntas orientadoras acerca dos desafios para acessar o Fundo Eleitoral. Algumas participantes compartilham os mesmos desafios em sua atuação, como a insatisfação de se sentirem usadas apenas para a garantia de um coeficiente da legenda do partido na obtenção de recursos. 

“Há uma falta de responsabilidade com a candidatura das mulheres. Porque os partidos políticos nos querem candidatas, mas eles não nos querem eleitas. Eles precisam da cota de mulheres para poder garantir a [campanha] de homens, mas eles não dão condições para que a gente vá para uma disputa de igualdade, para que a gente minimamente consiga ter uma votação expressiva”, aponta Ana Cleia Kika, liderança da região Norte e que vem refletindo sobre a sua experiência como mulher negras acessando os recursos do fundo eleitoral.

Foi em 2020, quando se candidatou pela primeira vez, concorrendo ao cargo de vereadora e passou a participar da Jornada das Pretas, que Kika pôde entender melhor como tudo isso funcionava na prática.

“Não temos as mesmas condições que os homens brancos têm dentro dos partidos, de ter apoio político, mas foi através dos movimentos sociais, através da Jornada das Pretas, do Estamos Prontas que está ligado ao Instituto Marielle Franco e outras organizações, que eu vim entender como que os partidos políticos funcionam”

Ana Cleia Kika

Ainda durante o encontro, Tauá apresentou dados sobre as desigualdades entre os financiamentos de campanhas. “Segue sendo muito determinante a questão do autofinanciamento. Ou seja, pessoas ricas, que já estão na política tradicionalmente, muitas vezes são filhos, netos, pessoas que se perpetuam na política e conseguem fazer o autofinanciamento da campanha”. 

Tauá aponta que existe um limite de 10% do teto previsto para cada cargo em disputa. Mas, segundo ela, os candidatos investem em média 36,3 milhões em dinheiro do próprio bolso para campanha. “Quais mulheres negras têm recursos próprios para poder fazer um auto financiamento?”, questiona a diretora do Instituto Alziras.

Durante o encontro, com base na pesquisa realizada pelo Inesc, Carmela comentou sobre a diferenciação de financiamentos conforme classe social, gênero e raça. “2020 foi o ano principal da pandemia, e identificamos, cruzando os dados da Receita Federal com [os dados do] auxílio emergencial, que muitas candidatas negras estavam acessando o auxílio emergencial porque precisavam, [sendo que] 30% das candidatas negras recorreram a esse auxílio. Elas realmente precisavam desse benefício”, aponta Carmela. 

Com relação a necessidade de auxílio financeiro, em entrevista, Kika conta sobre uma situação semelhante que passou em 2022, quando se candidatou a deputada estadual. “Era bolsista do mestrado e quando registrei a minha candidatura perdi a bolsa, aí fiquei em um desespero só e tomando de conta da campanha”, conta.

Ana Cleia Kika no Encontro Nacional do Estamos Prontas Rio de Janeiro 2022 (foto: Ludmila Almeida)

Ela relata que o que ajudou nesse momento foi a seleção que participou através do Instituto Marielle Franco e do movimento Mulheres Negras Decidem, para ser uma liderança do projeto Estamos Prontas. “Cada estado tinha uma liderança, que era apoiada pelo Instituto e a gente tinha uma bolsa de auxílio financeiro. Inclusive, para ajudar a gente nesse período de pré-campanha, porque muitas de nós às vezes acaba passando dificuldades, sendo que às vezes não tem nem o que comer”, pontua.

Kika foi uma das mulheres negras prejudicadas por não receber o fundo eleitoral de forma adequada. “Eu participei de várias reuniões e eles [integrantes da secretaria de finanças do partido] falavam assim: ‘vai ser depositado inclusive adicional das candidaturas negras’. E esse adicional não foi depositado. Só foi depositado a primeira distribuição que foi da cota de gênero, eles depositaram uns 15 dias depois que tinham começado as eleições, então eu saí em desvantagem em relação a outros candidatos”, aponta. 

Andreia Deloizi, liderança pernambucana, mulher negra trans, quilombola, sacerdotisa, se candidatou em 2022 à deputada estadual, sendo cabeça de chapa em uma candidatura coletiva. Andreia também faz parte da Jornada das Pretas desde 2022 e enfrenta desafios semelhantes para acessar o fundo eleitoral.

Andreia Deloizi participou do primeiro encontro da Jornada das Pretas 2023, que teve como tema o Fundo Eleitoral.
Andreia Deloizi, liderança pernambucana, mulher negra trans, quilombola, sacerdotisa, candidata em 2022 à deputada estadual (foto: Bira Fotógrafo Caruaru).

Ela conta que ainda não sabe se vai se candidatar para as eleições de 2024, e relata que a experiência não é tão boa. “Fazer política sendo uma pessoa periférica, quilombola, em uma cidade que para política é muito violenta e para vereadora é mais violenta ainda, isso requer cuidado”, finaliza Andreia, que também confirma a participação nos próximos encontro da Jornada das Pretas.

Corre Coletivo usa história em quadrinhos para transformar educação de jovens nas periferias

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O Corre Coletivo, grupo localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo, está transformando processos pedagógicos para educar jovens nas periferias, por meio da introdução de história em quadrinhos para promover letramento crítico e social. A iniciativa também aposta na criação de uma comunidade voltada para o acolhimento e troca de artistas iniciantes na área de arte educação.

“Nós temos uma enorme possibilidade de utilizar quadrinhos como uma linguagem pedagógica, porque ela é acessível para a juventude”, explica Wesley Silva, coordenador pedagógico do O Corre Coletivo.

Segundo Silva, quadrinhos como a Turma da Mônica ajudaram a alfabetizar muita gente, fora os clássicos, como Ziraldo, mas o universo digital possibilita outras abordagens de impacto nos leitores. “Além deles, têm os quadrinhos digitais que chegaram com muita força, principalmente as webtiras”, afirma.

Wesley Silva, o Lelo, como é conhecido nas periferias do Grajaú, é formado em artes visuais, pós-graduando em Arte educação: Teoria e Prática na ECA-USP e atua em rede com outros coletivos de arte educação nas periferias do Grajaú, um território com grande diversidade de saberes territoriais.

Cofundador do Corre Coletivo, Lelo foi o idealizador do projeto que deu vida à HQ Inimigo Invisível. Foto: Ana Pra Rua

Combate à desinformação

Em 2020, no auge da segunda onda de Covid-19, O Corre Coletivo, em parceria com o SESC Interlagos, criou o projeto ‘Inimigo Invisível’, iniciativa no começou como uma reunião de artistas para criação de desenhos para colorir, distribuídos para crianças, mas durante o avanço da pandemia de Covid-19, tornou-se uma HQ com super heróis que explica os riscos, traz dados e apresenta métodos de segurança para prevenção de contágio com o vírus.

“Para além de ser um quadrinho, ele ainda é muito educativo. Eu trago a política nas coisas que eu faço, para fazer com que as pessoas reflitam. Só que ao mesmo tempo, eu to ligado que a galera gosta de consumir comédia, besteirol. Eu quero criar coisas assim, que as pessoas achem da hora, só que ao mesmo tempo elas se vejam, porque no geral a gente não se vê, não são feitas por nós, nem para nós”, conta Ciano Buzz, educador e artista visual que participou da criação do Inimigo Invisível.

Ilustrador desde a infância, Ciano atua como educador de desenho e quadrinhos desde os 16 anos. Foto: Corre Coletivo

O artista visual Ciano, morador da Cidade Líder, zona leste de São Paulo, se define como um “griô do futuro” e busca trazer para dentro de processos educativos em escolas públicas uma visão multisciplinar em relação a arte e ao contexto de ancestralidade da população negra e periférica.

A HQ teve tanto sucesso que recebeu o chamado Oscar dos Quadrinhos, o troféu HQ Mix, na categoria Projeto Especial na Pandemia. Com isso, abriu espaço para o coletivo incentivar novas ações que não somente educassem crianças e jovens por meio dos quadrinhos, mas também abrisse um espaço de diálogo para que eles também pudessem contar suas histórias por meio das HQs, ampliando a representatividade nesta mídia.

Selo Lajota

A Base Nacional Comum Curricular, o BNCC, documento que define os direitos de aprendizagem de todos os alunos das escolas brasileiras, aponta que as HQs podem ser utilizadas, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental para “Construir o sentido de histórias em quadrinhos e tirinhas, relacionando imagens e palavras e interpretando recursos gráficos (tipos de balões, de letras, onomatopeias)”.

Foi assim que nasceu, em 2023, o selo Lajota, espaço dedicado a ser uma comunidade de acolhimento para jovens que produzem histórias em quadrinhos nas periferias e que possuem o desejo de contar suas próprias histórias por meio dessas revistinhas. Além disso, é uma iniciativa editorial que democratiza o acesso por meio das webcomics, HQs online acessadas gratuitamente por meio do aplicativo Funktoon.

“O momento que eu juntei ciência na arte foi no quadrinho que eu estou produzindo agora [no selo Lajota], uma webcomic chamada ‘Mizu’, que é sobre uma menina gamer que retrata que a sua quebrada está passando por uma grande seca”, conta o biólogo e ilustrador, Lucas Andrade, o Lukera, um dos criadores da HQ Inimigo Invisível.

“Eu tento fazer isso no sentido da periferia se apropriar da pauta ambiental, porque eu acredito que é para ontem isso. Quando acontecem secas, somos os mais afetados por rajadas de vento, alagamentos”, contextualiza Andrade.

De forma pedagógica, cuidadosa e sensível, o Corre Coletivo busca construir diálogos com jovens estudantes de escolas públicas nas periferias, partindo de elementos culturais presente na construção da identidade cultural dos jovens.

“A gente procura chegar em uma zona próxima para falar de coisas importantes. Quando a gente fala do Miles Morales, um homem aranha negro caribenho, a gente consegue falar sobre esse recorte de ser uma criança preta na adolescência que gosta de grafiti e hip hop e está em descoberta, se sente abandonado e sozinho, e dialoga muito com o que a juventude vive”, explica Lelo.

A premissa de abordar um contexto cultural e social vivenciado pelos jovens moradores das periferias também é apontada pela a quadrinista Marília Marz, criadora da HQ curta “Zebra”, que fez parte da 8ᵃ edição da revista Ragu, vencedora do prêmio HQ MIX 2022 na categoria “Projeto Editorial”.

Para ela “pessoas negras, periféricas, indígenas e lgbtqiap+ , estão acostumadas a se verem representadas nas mídias pelo olhar, muitas vezes enviesado. A história em quadrinhos é um recurso muito importante para que as pessoas possam se enxergar, possam enxergar as próprias histórias e as próprias vidas”, conclui.

“A gente ficou 40 anos proibidas de jogar”: Maria Amorim propõe reparação histórica para o futebol feminino

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Para além dos resultados obtidos com a bola em campo, a Copa do Mundo Feminina, 2023, explicitou as diferentes e acentuadas dificuldades e desigualdades que os times femininos, ainda hoje, enfrentam. “O futebol feminino profissional quanto a investimento, não está nem 1% comparado com o masculino”, afirma Maria Amorim, 38.

Apaixonada por futebol, Maria é uma mulher preta, cearense, periférica, mãe do Lucas, de 18 anos, da Ana, de 13, e companheira do Beto. Ela é moradora de Parelheiros, extremo sul de São Paulo, joga futebol desde criança e como educadora social viabiliza que meninas e mulheres da periferia pratiquem esse esporte, que frequentemente é dito como masculino.

Moradora de Parelheiros, além de jogadora, Maria também é ativista em defesa do futebol feminino (foto: arquivo pessoal)
Moradora de Parelheiros, além de jogadora, Maria também é ativista em defesa do futebol feminino (foto: arquivo pessoal)

“Eu diria que [sou] ativista da modalidade feminina, sempre buscando ocupar lugares majoritariamente masculinizados, que nunca sonhou em ser jogadora profissional, mas que sempre teve dentro de si a luta pela modalidade, que decidiu brigar por esses espaços, que não é só meu, mas de todas as mulheres que querem jogar e praticar futebol independente de se profissionalizar ou não”.

Maria Amorim. educadora social de Parelheiros.

O futebol de várzea, predominante nas periferias, é a principal área de atuação de  Maria. Ela é fundadora, junto com seu companheiro Beto, do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, que reúne 110 equipes. Maria também é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos. Em 2019, ela criou e hoje conduz o projeto FutVida, que insere crianças de 6 a 15 anos no esporte.

As treinadoras, Maria Amorim e Cecília Bringel, e as crianças do projeto FutVida (foto: arquivo pessoal)

Futebol de base: peneira e investimento

No entanto, Maria também contribui com perspectivas sobre o futebol feminino profissional, somando com as visões e as realidades que há nas periferias. “O futebol feminino hoje, falando desde o profissional, que respinga no amador, eu acho que tem muito uma [questão de] reparação [histórica], né? A gente ficou 40 anos sem jogar futebol, 40 anos proibidas de jogar.” a educadora traz um contexto histórico e desdobramentos atuais sobre o assunto.

“A Federação [Paulista de Futebol], recentemente, criou a peneira sub 17. Isso é muito bom, porque na minha época não tinha peneira. Uma peneira sub 17 da Federação oportuniza as meninas a participarem e [serem visibilizadas e analisadas pelos] responsáveis de clubes. Só que tinha uma questão muito forte, que era o atestado médico”, menciona a treinadora.

Maria também relata sobre uma constatação que ela expôs em uma reunião, que ocorreu na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), solicitada pela Deputada Leci Brandão, em defesa do futebol feminino, que reuniu integrantes do futebol de várzea, do profissional e a ex-coordenadora da Federação Paulista de Futebol, Thais Picarte, em 2022.

“Na minha fala, eu trouxe que entendo totalmente que o atestado médico seja necessário, mas a forma como ele é pedido é muito burocrático. Uma mãe de Parelheiros não vai faltar um dia de trabalho, para levar a menina ao médico, para conseguir um atestado.”

Maria Amorim, fundadora da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.

Ela ressalta que a demora para ter atendimento é outro problema que surge ao levar meninas ao médico, no SUS, para conseguir o atestado médico. “Para ter esse atestado, o médico vai pedir exames. Então, estava tendo menos meninas pretas nas peneiras. E aí, eu trouxe essa reflexão: onde é que estão as meninas pretas? Na periferia, esse caminho para a menina chegar até à peneira é muito longo.” complementa.

Maria acrescentou também, nesta reunião, que uma realidade recorrente nas periferias é a situação das mães solos, que não podem arriscar a fonte de renda da família, faltando ao trabalho, para acompanhar as filhas nesses processos. Ela destacou e reivindicou que, “as instituições, a confederação têm que achar um caminho”.

Reunião na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) realizada em 2022, em defesa do futebol feminino. (foto: arquivo pessoal)

As colocações da educadora social trouxeram resultados. “Esse ano de 2023, na própria peneira, eles colocaram um médico à disposição, então a menina podia ir sem um atestado médico, lá passava pelo médico da Federação e fazia o atestado na hora. Então, já foi uma possibilidade que encurtou muito o caminho das meninas”, conta Maria.

Apesar da conquista, iniciativas e dos demais feitos realizados, a educadora social diz que se preocupa muito com o cenário do futebol feminino devido à falta de valorização. “Na periferia tem muita menina boa de bola. Então, qual seria o futuro ideal para o futebol feminino? Clubes grandes, instituições como a Federação, olhar para o futebol feminino e implantar projetos, fazer parcerias com projetos já existentes”, sugere Maria. Ela menciona que o ideal é ter investimento e suporte para que no futuro essas meninas sejam selecionadas para jogar profissionalmente.

“Hoje, cada clube profissional só tem um time feminino, porque é obrigatório, ou seja, se vai participar de uma Libertadores, se o clube tá dentro da Conmebol, ele precisa ter um time feminino. Por isso que os grandes clubes têm, porque senão, não tinha”

Maria Amorim é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos.

Em contrapartida, a educadora social, através do projeto FutVida, busca aproximar e tornar possível o acesso de meninas e adolescentes, dos bairros Jd. São Norberto e Nova América, na zona sul de São Paulo, ao futebol. “A gente que é de periferia, quando decide montar um projeto e trazer as meninas para o esporte, a gente tem que buscar estratégias para que ela continue praticando, juntamente com a família”, argumenta a educadora, mencionando que é preciso fortalecer os vínculos com os pais como um caminho para tornar esses processos colaborativos, a fim de criar redes de apoio para as meninas que sonham em jogar futebol.

“Tem um ditado africano que a gente leva muito pra vida [que diz], ‘que é necessário toda uma aldeia para cuidar e educar uma criança’. E é isso que a gente faz com os nossos movimentos. A gente precisa estar junto. A gente precisa fazer essa construção coletiva”, conclui Maria.

Mulheres atuam dentro e fora de campo no futebol feminino na quebrada

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Técnica, jogadora e pesquisadora atuam a partir do futebol de várzea femino nas periferias e ressaltam a importância desse esporte para além das quatro linhas do campo.

“A gente sabe que o esporte transforma e cura muitas coisas”. Esse é um dos motivos que fazem com que a técnica Cecília Bringel, atue com o futebol. Técnica do projeto FutVida e jogadora do time Chelsea Feminino, Cecília acredita na importância do futebol feminino de várzea para além dos jogos, por ser um espaço de socialização, acolhimento e humanização do esporte e de quem o pratica.

Cecília é mãe, educadora social e moradora do bairro Nova América, em Parelheiros, zona sul de São Paulo, território onde fundou, em 2022, o time de futebol Chelsea Feminino. Na região, ela também atua como diretora e treinadora do projeto FutVida.

“Eu entendo que o futebol me tirou da depressão. E no rachão eu já ouvi meninas falar, ‘eu não sei jogar bola, não sei nem chutar’, mas só do tempo que elas estão com a gente jogando, dando risada, correndo um pouco, elas já falaram, ‘isso aqui tá me fazendo tão bem’. A gente sabe que o esporte transforma e cura muitas coisas.”

Cecília Bringel técnica do projeto FutVida, fundadora e jogadora do time Chelsea Feminino.
Cecília Bringel com os filhos Isaac, 6, e Ana Clara, 10. (Foto: arquivo pessoal)

A técnica aponta que o futebol feminino de várzea opera para além do campo de futebol, com reflexos que são notados ao longo do tempo. Ela conta que, assim como muitas meninas, sua ligação com o futebol aconteceu jogando bola com meninos.

“Desde quando era criança eu já jogava bola na rua com os moleques. Eu sempre joguei com os meninos. A maioria das meninas começam assim. A minha filha acabou de chegar e foi jogar bola com os meninos, [por exemplo]”, conta Cecília Bringel.

Jogadoras do Chelsea Feminino em momento de descontração (Foto: arquivo pessoal)

Atualmente, ela divide as responsabilidades do time Chelsea Feminino com o companheiro, Ricardo, e os jogos do time acontecem toda sexta à noite. 

“Tinham muitas meninas que jogavam bola antigamente e pararam por causa da correria do dia a dia de nós, mulheres, trabalhar, cuidar de filho, de casa, essas coisas”, conta Cecília sobre como surgiu a ideia de criar o time, que hoje é formado por 28 mulheres.

Cecília também é diretora e técnica do projeto FutVida, iniciativa criada em 2019, pela Maria Amorim, também moradora de Parelheiros e uma das lideranças socioculturais do território.

Maria Amorim é fundadora e jogadora do time Apache Feminino. (Foto: arquivo pessoal)

Educadora social e pedagoga, Maria, junto com o seu companheiro, o Beto, fundou o time Apache Feminino e a Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.

Nascida no Ceará, Maria sempre jogou futebol, desde a infância. Ao se mudar para São Paulo, com 8 anos, passou a ter maior contato com o esporte dentro da escola. “Não por vontade dos professores, mas por insistência minha, porque eu lembro de diversas vezes em que o professor me colocava para sentar ou me dava outra opção esportiva enquanto os meninos jogavam futebol”, compartilha Maria.

Maria sempre gostou de futebol e hoje entende que pode trabalhar de diversas formas a partir do esporte. Ela aponta que a importância e resistência da presença de mulheres no futebol vai além de estar em campo jogando.

“Na várzea eu posso jogar, eu posso gerir um time, ser técnica, ser responsável de um campo. Posso vender meu churrasquinho para tirar a minha renda. Posso estar inserida ali independente dos olhares, das críticas e do preconceito. Eu consigo e eu posso ocupar esse lugar de alguma forma”

Maria Amorim é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos, criadora do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.
Equipe do Apache Feminino. (Foto: arquivo pessoal)

Além de criadora do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, a profissional também é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos.

Além das quatro linhas

Os desdobramentos do futebol de várzea feminino vão além do jogo. Alguns times, por exemplo, organizam rodas de conversas para auxiliar na saúde física e mental de mulheres. Por vezes, competir e vencer não é o mais importante na várzea feminina. 

Crianças do projeto FutVida. (foto: arquivo pessoal)

Juntas, Cecília e Maria tocam o projeto FutVida que busca inserir crianças no esporte. “Hoje, a gente atende mais de 100 crianças em duas comunidades aqui no Jd. São Norberto e Nova América”, conta Maria. A iniciativa é gratuita e atende crianças de 6 a 15 anos.

Atualmente, 15 dessas crianças são meninas, sendo que as entrevistadas apontaram vários motivos para a baixa participação de meninas, como a falta de apoio ou a proibição dos pais, por vezes essas meninas são responsabilizadas pelas tarefas domésticas e pelo cuidado dos irmãos desde cedo.

Todas as jogadoras que participaram da 3ª edição do “Maior Festival Feminino de Várzea do Mundo” receberam medalhas.

Outra iniciativa que também tem uma mulher à frente, é a Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, criada pela Maria e o Beto, seu companheiro, que reúne mais de 100 equipes. “A Liga surge para entender onde estão essas equipes, como a gente faz para se unir, para se organizar e competir também”, conta Maria sobre a criação da Liga em 2016.

A partir da atuação da Liga, em 2022, junto com a historiadora Aira Bonfim, em um projeto de extensão da universidade PUC, várias equipes femininas de futebol de várzea foram mapeadas. “O mapeamento surge a partir da pergunta que muitas pessoas faziam, ‘mas tem futebol feminino?’. Foi a partir dessa pergunta também que eu decidi fazer o festival”, coloca Maria.

“A gente quer ver meninas de 13 anos jogando, mas a gente quer ver mulheres de 50 anos jogando também. Então, a liga surge para essa organização do futebol de várzea”, afirma.

Confira o mapeamento produzido pela Aira Bonfim e a Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.

A 3ª edição do festival foi realizada em julho de 2023, no Parque Sete Campos, em São Paulo. O evento foi totalmente gratuito, reuniu 80 times de futebol feminino e mais de 1.000 jogadoras.

Apoio e articulação

A historiadora Aira Bonfim, lembra que, no Brasil, o futebol feminino foi proibido por lei durante quase 40 anos, entre 1941 até 1979. “O futebol ajuda a entender muitas realidades desse período. As mulheres já estavam fazendo as mesmas coisas que a gente faz hoje, de tensionar essas questões na sociedade”, coloca a historiadora.

Aira ressalta a necessidade de olhar essa atuação para além do ato de jogar. “É importante essas meninas terem sim o sonho de se tornarem profissionais, mas por vezes, o sonho é apenas jogar futebol, que nem isso às vezes é acessível”, coloca.

Mesmo com as diversas ações realizadas dentro e fora de campo, Maria aponta a falta de investimento ainda como uma das dificuldades na prática do futebol feminino, seja ele na várzea ou profissional. Ela também ressalta que os comércios locais que apoiam financeiramente os times de várzea masculino, não dão valor quando se trata do futebol feminino.

“Ninguém quer investir e a gente está falando de política pública também, porque hoje o futebol masculino tem investimento de políticas públicas e a várzea feminina não tem”, reforça Maria.

“Tem discriminação principalmente se for uma doula preta”, doulas refletem sobre a regularização da profissão

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Sem regulamentação, o trabalho de Doulas ainda se caracteriza como uma atividade informal e com poucas garantias, principalmente para profissionais de regiões periféricas. 

A doulagem é um trabalho de cuidado com a pessoa gestante antes, durante e depois do parto, oferecendo suporte e acompanhamento nesse processo de gestar. Em 2022, aconteceu a audiência pública na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados sobre a aprovação do Projeto de Lei 3946/21, que busca regulamentar a profissão de doula no país.

Doula é uma assistente de parto, que não necessariamente possui formação em ciências da saúde. Seu trabalho é realizar um acompanhamento para o cuidado e bem estar da pessoa gestante durante o período da gestação, ao longo do parto e até os primeiros meses pós parto.

Isabela Lima, 31, atua como benzedeira, artesã e doula. Nascida em São Vicente, baixada santista, atualmente mora no bairro Parque Bristol, distrito do Sacomã, zona sul de São Paulo. Ela conta como, por ainda não ser regulamentado, o trabalho de doula apresenta dificuldades, como falta de piso salarial e remuneração fixa.

“A doula que administra essa parte financeira de quanto cobrar, como e se vai. Tem muitas doulas que fazem esse trabalho de forma social para pessoas em vulnerabilidade, assim como eu. Acredito que esse projeto sendo aprovado vamos realizar nosso trabalho de forma mais segura e efetiva, sem que precise bater de frente com as instituições de saúde”, afirma a doula Isabela Lima, que também é mãe do Gabriel de 6 anos e do Bento de 3 anos.

A profissional aponta que além da discriminação por ser uma profissão considerada informal e não existir uma regulamentação, também enfrenta discriminação racial dentro das unidades de saúde.

“[Estamos] ali para auxiliar, não para atrapalhar como muitas vezes escutamos [da] assistência médica. Nós não somos vistas com bons olhos, temos que lidar com discriminação, principalmente se for uma doula preta. Além de lidar com a rejeição do corpo médico, ainda precisei lidar com a discriminação racial.” 

Isabela Lima, mora no bairro Parque Bristol, distrito do Sacomã, zona sul de São Paulo, é benzedeira, artesã e doula.

A doula conta que antes mesmo de estudar e iniciar a sua atuação profissional na doulagem, já fazia um trabalho de apoio emocional com pessoas gestantes a sua volta e buscou esses estudos a partir da sua primeira gestação, período que tinha medo de sofrer violência obstétrica ou passar por alguma negligência médica. “Hoje eu me encontro como parteria tradicional, tentando fazer um resgaste de saberes ancestrais que foram tirados do nosso imaginário”, afirma. 

Isabela pontua que a doulagem é uma das funções que compõem uma equipe de assistência para pessoas gestantes. “Trabalhando justamente nesse lugar de bem estar. [Doula] traz esses saberes em relação aos cuidados com a saúde do responsável do bebê e do bebê, mas é diferente da parte técnica da assistência médica, da assistência de enfermagem. [Doula] não faz nenhum procedimento técnico de enfermagem como ausculta, exame de toque, não realizamos nada disso”, coloca.

“Enquanto pessoa preta [e] periférica atuo na quebrada, como forma de enfrentamento do medo que senti na minha gestação de sofrer alguma violência ou ser negligenciada, já que sabemos que os corpos pretos são os mais violentados. Também proporcionar a ideia de uma qualidade de vida e bem viver para as pessoas da quebrada que não tem acesso ao sistema de saúde que ferramentalize o bem viver.”

 Isabela Lima, é benzedeira, artesã e doula.

Isabela atua de forma autônoma, mas também faz parte da Associação Doula Solidária, uma iniciativa que facilita o contato da pessoa gestante com doulas de vários locais, como uma forma de democratizar e entender esse trabalho como um direito de saúde e assistência.

Regulamentação para garantia de direitos

“Desde que houve flexibilização da pandemia, os únicos hospitais do SUS que têm permitido entrada de doula é o hospital de Parelheiros e o Amparo Maternal que recentemente recebeu uma pressão da ADOSP – Associação de Doulas do Estado de São Paulo, para que pudéssemos voltar a atuar, pois também vínhamos enfrentando dificuldades”, coloca Hanny Rodrigues, 29, doula e moradora de Pirituba, região noroeste da cidade de São Paulo. Para a profissional, a regulamentação afeta diretamente as doulas que são moradoras e atuam nas periferias. 

“A galera que pode pagar por um hospital ou tem convênio, seja ele particular ou pela empresa, já consegue acessar nosso serviço sem maiores problemas, porque a maioria dos hospitais particulares permite o nosso acesso sem grandes dificuldades. É uma escolha política barrar a gente nos hospitais públicos.

Hanny Rodrigues, doula e moradora de Pirituba, região noroeste da cidade de São Paulo.

A doula conta que iniciou o trabalho de doulagem por influência da irmã, logo depois foi estudar e em 2018 começou a atender na área. Ela é membro da ADOSP (Associação de Doulas SP) e aponta que atualmente existe um acordo informal de uma contribuição de R$ 1.900 para um acompanhamento de encontros pré-natal, partos e pós-partos. A doula enfatiza que é apenas um acordo ético e que na prática as doulas recebem muito menos. 

“Não basta realizar um curso preparatório de doulas, embora hoje existam muitas formações disponíveis no mercado, tanto de forma presencial, quanto online. Não só sobre o parto em si, mas sobre a importância real da doula. Avaliar qual é a sua disponibilidade de tempo para dedicar à sua gestante e também a sua saúde mental”, compartilha Hanny.

Articulação em rede

A busca pela regulamentação do trabalho das doulas tem sido articulada por diversos movimentos, entre eles a Fenadoulas Brasil, organização que reúne associações de doulas do Brasil e busca articular o campo de defesa da atenção multidisciplinar com inserção de doulas nesse cuidado, além de apoiar entidades filiadas que atuam para fortalecer o protagonismo da pessoa no ciclo gravídico puerperal, a partir do acesso a informações de qualidade e atendimento humanizado, respeitoso e digno.

Morgana Eneile é doula, pesquisadora, presidenta da Fenadoulas Brasil, e pontua que não existe uma restrição para se tornar doula, mas uma orientação para pessoas que tenham o ensino médio completo e seja maior de idade. Além de uma formação de doula que atualmente é feita através de cursos livres, privados ou públicos, coordenados por profissionais que atuam com doulagem.

“A prática da profissão já está organizada formalmente na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), mas ainda há diferentes leituras que tendem a ser mais uniformizadas a partir da aprovação de uma legislação nacional que possibilite a compreensão geral do universo de trabalho”, pontua a pesquisadora em referência a importância de regulamentar a profissão.

Para Kau Marua, doula representante da Adosp (Associação das Doulas de São Paulo), é extremamente importante que aconteça a regulamentação para que possam ser reconhecidas como profissionais. “Doula é profissão há muitos anos. [É] importante esse reconhecimento como profissional até mesmo no campo financeiro. Outro ponto importante é ter coerência e coesão principalmente na base das formações”, afirma. 

“Através da regulamentação, além de equalizar minimamente as formações, considerando os critérios necessários para formação de qualidade [e] reconhecimento das profissionais, nos permite acesso aos locais onde as pessoas gestantes estão parindo seus filhos. Com a regulamentação, as Doulas têm livre acesso aos hospitais – sejam eles públicos e/ou privados rede suplementar.”

Kau Marua, doula representante da Adosp (Associação das Doulas de São Paulo)

“A presença da doula no cenário de parto é uma ferramenta extremamente importante para o cuidado das parturientes, inclusive em relação à proteção contra a violência obstétrica”, pontua Kau Marua.

Ao Padre Jaime Crowe: um agradecimento da juventude

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Temos experiências que são frutos de sua luta pelo direito à vida da juventude, com o relato de alguns jovens que foram atendidos por seus projetos e seguem seu legado.

 “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré

São Paulo, Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Ali dos lados que Mano Brown se refere quando canta “dá ponte pra cá”. Casas demais, gente demais, talentos demais, jovens demais e oportunidades e direitos de menos. Nas nossas quebradas, sempre foi assim. Mas não sem a voz do nosso povo reivindicando pela garantia mínima de condições de vida.

E dentre essas vozes teve uma que se levantou, mas não era das mulheres que enterravam seus filhos jovens vítimas da violência, era uma diferente: de um senhor padre, branco, estrangeiro, que chegara à região. 

Levando a sério a passagem bíblica de que “a fé sem obras é morta”, Jaime foi agente de várias e várias obras, algumas lembradas pelo Rafael Cícero neste artigo:

Quando os distritos Jd. Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís passaram a ser conhecidos como Triângulo da Morte por ser a região mais violenta do mundo inteiro, o Padre rezava missas e missas de 7º dia pelos corpos das diversas vítimas de violência, em sua maioria jovens e negros da periferia. Mas não achava isso normal: sentia um incômodo e a partir daí percebeu a necessidade de lutar para reverter este quadro de homicídios na região. 

Jaime nos deixou em fevereiro de 2023 e felizmente podemos dizer que sua luta em vida não foi em vão: hoje temos experiências que são frutos de sua luta pelo direito à vida da juventude com o relato de alguns jovens que foram atendidos por seus projetos e hoje seguem seu legado. 

Ingryd Boyek, Sociedade Santos Mártires.

Ingryd Boyek tem 25 anos, é psicóloga e atua como assistente técnica no SCFV – Centro para Criança e Adolescente Riviera da instituição Sociedade Santos Mártires. Também é coordenadora da Rede Ubuntu de Educação Popular e psicóloga do coletivo Ubuntu de Saúde e Cidadania. Segundo ela: 

“Falar do Padre Jaime e do seu trabalho é falar sobre esperança, principalmente para a nossa juventude. A sua obra tem um impacto enorme na minha vida, porque desde quando tinha 8 anos fui acolhida pelo Centro de Formação e Recreação São José, participando ativamente das atividades do ozen, que com a mudança de nomenclatura passou a ser Centro para Criança e Adolescente (CCA), e dos cursos e oficinas do Centro para Juventude Riviera (CJ)”.

E completa: “O espaço que ocupo como indivíduo e como profissional existe porque pessoas como o Padre Jaime acreditaram que eu conseguiria e impulsionaram-me a conquistar. Orgulho-me de ser agente de transformação positiva, de poder retribuir nos lugares que percorro tudo que aprendi com esse grande homem e com tantas outras pessoas que lutam para não termos nenhum direito a menos. Agradeço por ele ter insistido no nosso território e na nossa juventude.”

Saulo Vilanova, Sarau Apoema.

Saulo Vilanova tem 24 anos, é morador do Jardim Ângela, estudante de Letras na USP e membro do Sarau Apoema. Desde 2018, é coordenador e professor da Rede Ubuntu de Educação Popular. Em suas palavras:

“Num terreno de vulnerabilidades, não há forma de se progredir sem cultivar sonhos e de lutar coletivamente. Apesar disso, são poucas as pessoas que conseguem juntar o povo oprimido e elevar nele a sua autoestima, que historicamente é esmagada. Padre Jaime, ao lutar incansavelmente por essa auto-estima, é um marco na história de muitos periféricos, sabendo eles ou não disso. Nesse bonde, é preciso incluir a juventude favelada do Jardim Ângela, a quem ele foi um incansável defensor por gerações e gerações.”

Ele continua: “É preciso dizer, porém, e é claro, que o Sarau Apoema, tão recente na história da arte periférica do Jardim Ângela, não foi o primeiro movimento a ser acolhido e incentivado dessa forma. Era também através de Jaime que batalhas de rima, apresentações de teatro, lançamento de livros e outros movimentos artísticos ganharam fôlego. Jaime acreditava na arte como forma de valorização e resgate da vida, e nisso passamos a acreditar também”. 

Saulo ressalta que nessa guerra que Jaime escolheu combater com sua sobrevivência e vitalidade, a juventude do Jardim Ângela, seja qual geração permanecer, terá sempre um espírito de gratidão.

Juntos num só lema! Saudações, Jaime!

Isabella Souza, Rede Ubuntu de Educação Popular.

Isabella Souza tem 21 anos, é estudante de Psicologia, moradora do Jardim Ângela, ex-aluna e atualmente coordenadora na Rede Ubuntu de Educação Popular. Para ela:

“Não tem como lembrar do Padre Jaime sem lembrar dos sábados em que ele visitava o cursinho e nos cumprimentava com ‘saudações corinthianas’ e um sorriso no rosto. Lembrar do Padre Jaime é lembrar do significado de Ubuntu: eu sou porque nós somos.” 

Ela completa: “Sem a ajuda e presença do Padre Jaime eu não estaria na faculdade, com bolsa 100%, no 4º ano do curso da minha vida e podendo retribuir (mesmo que minimamente) todo o esforço e trabalho que os voluntários do cursinho tiveram para que eu pudesse sonhar. A Rede Ubuntu carregará sempre a chama de esperança que o Padre Jaime acendeu em nós e essa chama ficará cada vez mais forte. Obrigada por tudo, Padre!”

No país em que um jovem é assassinado a cada 17 minutos (Atlas da Violência 2021), a continuidade de toda a mobilização segue sendo necessária. 

Nós, jovens periféricos, merecemos o direito à vida e a uma vida com oportunidades. 

Por ter levantado sua voz em nossa defesa, deixamos aqui ao padre Jaime Crowe o nosso muito obrigada.


Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Campanha Elas Transformam: construindo caminhos e ações

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O movimento Elas Transformam é uma iniciativa do projeto MUDE com Elas que mobiliza ações e campanhas de combate ao racismo e ao sexismo no processo de inserção juvenil no mundo do trabalho.

Antes de tudo peço licença aos leitores de minhas colunas, meus temas são gerais e desde 2020 busquei trazer reflexões para possíveis debates, contudo, resolvi também falar sobre ações que implementam importantes mudanças e podem ser nossa nova forma de criar diálogos com as juventudes.

Sendo assim, vim apresentar o Mude com Elas, um projeto que nasceu em 2020 e é implementado pela Ação Educativa, tem colaboração com a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK São Paulo) e possui apoio da Terre des Hommes Alemanha (TDH), responsável pela coordenação geral do projeto e co-financiadora junto com o Ministério para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha. 

O projeto foi planejado pensando a entrada desigual dos jovens no mundo do trabalho e junto a isso os marcadores de gênero e raça, dentro do cenário da falta de políticas públicas, inserção desigual, sobrecarga, racismo entre outros, seria necessário criar estratégias para garantia dos direitos dos jovens e principalmente das jovens mulheres negras que são extremamente afetadas negativamente por essa dinâmica.

Assim o Mude se estruturou em algumas frentes envolvendo: incidência com a criação de uma parceria multiatores, envolvendo a sociedade civil, poder público e setor privado, e também uma iniciativa piloto de inserção de jovens mulheres negras nas empresas parceiras da AHK, prevendo formação técnica e cidadã e sensibilização de colaboradores de empresas alemãs.

Desde o lançamento, o projeto vem se unindo a diferentes atores sociais e políticos, além de refletir sobre a formação das jovens que fizeram parte desse aprendizado e suas entradas no mercado de trabalho.

Em 2021, o projeto conseguiu atuar para a criação de uma Subcomissão de Juventude dentro da Comissão de Finanças e Orçamento e desde então a Comissão instalada tem sido uma maneira de levar até o poder público as problemáticas enfrentadas pelos jovens de periferia, em especial as jovens mulheres negras.

Pensando em toda essa trajetória, o projeto construiu a maravilhosa Campanha Elas Transformam que foi lançada em 1 de Maio, o dia do trabalhador.

O movimento Elas Transformam é uma iniciativa do projeto MUDE com Elas que mobiliza ações e campanhas de combate ao racismo e ao sexismo no processo de inserção juvenil no mundo do trabalho. O projeto MUDE com Elas tem como realizador a Ação Educativa, Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK São Paulo) e o escritório de Terre des hommes Alemanha (Tdh).

A Campanha busca um diálogo com as empresas e seus pares para que sejam realizadas mudanças efetivas dentro do mercado de trabalho como um todo, não somente no RH.

Falar sobre jovens mulheres negras e mercado de trabalho também é tocar na trajetória das nossas jovens de periferia que estão agora iniciando a sua jornada. Então convido aos leitores interessados a procurarem e apoiarem essa luta! 

Por fim, deixo o convite para o evento “Encontro de Juventudes “Orçamento e Políticas Públicas” que acontecerá no dia 24 de Junho de 2023, das 13h30 às 17h, no Auditório 1º de Maio, no 1º andar da Câmara Municipal de São Paulo: Viaduto Jacareí, 100 – Bela Vista, São Paulo – SP, Palácio Anchieta. 

Que um dia nossos jovens possam sonhar

Que a morte desencontre nossa vida

Para que o horizonte seja um passo para construção 

E não o fim cinza

Agnes Roldan

“A demarcação de terra é baseada no modo de vida do não indígena”, denúncia Thiago Djekupe

Luta pela demarcação de terras criminaliza povos indígenas e impede ações coletivas, que poderiam unir as periferias, favelas e quilombos. (Foto: Dan Agostini)
Manifestação reúne lideranças indígenas guarani para protestar contra o Marco Temporal. (Foto: Dan Agostini)

Na última terça-feira (30/05), a Câmara dos Deputados, em Brasília, aprovou o projeto de lei 490, que estabelece o Marco Temporal, um conjunto de regras jurídicas que dificulta a demarcação de terras indígenas. No mesmo dia, em reação a esta decisão, inúmeros protestos dos povos indígenas se espalharam pelo Brasil.

Em São Paulo, lideranças indígenas guaranis do território Jaraguá, localizado na região noroeste da cidade, ocuparam a Rodovia dos Bandeirantes e foram brutalmente repreendidos pela polícia militar.  

“A demarcação de terra é baseada no modo de vida do não indígena, na sua crença geográfica, porque nós se entendemos como um povo livre e não proprietário de terra, nos entendemos como parte da terra, parte de toda vida que se encontra aqui”

Thiago Djekupe, liderança guarani do território indígena Jaraguá

O texto do projeto de lei do Marco Temporal só reconhece as terras indígenas legalmente ocupadas ou que estavam em disputa para serem demarcadas quando a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988, momento reconhecido na história do país como período de redemocratização após o fim da ditadura militar.

Com 283 votos a favor do Marco Temporal, os parlamentares do PL, PSD, PP, PSDB, PODE, MDB, AVANTE, PV, PSC, PDT, União Brasil, Republicanos, Cidadania, Patriota e Solidariedade, partidos que representam o centrão e a extrema direita, contribuíram para o PL 490 avançar para o Senado Federal. Agora, o projeto de lei tramita com a numeração 2.903/2023.

A terra indígena Jaraguá possui 1,7 hectares, ou seja, mais de 10 mil metros quadrados. Essa região é cercada pelo Rodoanel, Rodovia dos Bandeirantes e Anhanguera. Atualmente, os povos indígenas desta região seguem na disputa política para demarcação dos 534 hectares, uma luta coletiva e  histórica que pode ser completamente inviabilizada pela aprovação em definitivo do Marco Temporal.

“O pico do Jaraguá é sagrado para nós. Chamamos de Itawera, porque o ‘Ita’ é das pedras e o ‘wera’ é a força dos raios. O pico do Jaraguá no mundo é o lugar que mais tem ascendência do raios, que diverge né, ao invés de ele descer, ele sobe, e para nós, isso é o natural, e nós caminhamos sempre em busca da Yvy marã e’ỹ, que significa ‘Terra Sem Males’. Então esse é o caminho que fazemos seguindo a espiritualidade, seguindo a nossa fé”, contextualiza o líder indígena do povo Guarani.

A sobrevivência dos ancestrais do presente

O líder indígena Thiago Jekupe lembra que a sobrevivência faz parte da sua infância, momento em que uma família de empresários imobiliários tentou se apropriar de forma criminosa das terras sagradas do Jaraguá.

“Quando eu era criança, a família Pereira Leite veio aqui para tentar comprar a terra com uma mala de dinheiro. Colocou aqui um monte de homens armados com fuzil, metralhadora, calibre 12, cercaram nossa comunidade para nos ameaçar, e eu era só uma criança, e mesmo no tempos de agora com a gente provando que a nossa existência que garante as demais vidas, a gente teve o governo do estado, governador do palácio dos bandeirantes, um bandeirante chamado Geraldo Alckmin, entrou com um mandado de segurança contra o processo de demarcação da terra indígena Jaraguá”, revela.

“Lutar por demarcação é lutar pelo pouco que sobrou para que sobrevivamos. Quando estamos falando de demarcação, não é só demarcação de terra indígena, tem que se lembrar que as terras quilombolas mal são faladas. Não se fala sobre demarcação de terra quilombola, terra caiçara, vários movimentos têm a visão e movimento de querer aquilombar a periferia, mas não querem garantir os quilombos”

Thiago Djekupe, liderança guarani

A demarcação da terra indígena Jaraguá foi conquistada em 2015, reconhecendo os 532 hectares como área pertencente ao povo guarani, mas logo em seguida aconteceu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, um fato que mudou totalmente a vida dos mais de 1 mil indígenas que viviam no território naquela época.

Neste contexto, o Ministro da Justiça, Torquato Jardim, do governo do presidente sucessor Michel Temer, revogou a Portaria Declaratória n°581, de 2015, que reconhecia os 532 hectares de ocupação guarani na região metropolitana de São Paulo. Desta forma, o território passou a ter somente 1,7 hectares.

Periferias, favelas e territórios indígenas juntos pelo direito à terra

Luisa Silva Rafacho, 24 anos, agente cultural e ambiental, moradora do Jaraguá, afirma que as periferias têm uma forte relação na luta pelo direito com os territórios indígenas. “Eu acredito que as lutas por terra na quebrada e na aldeia se relacionem ao ponto que são formas de pensar em futuros coletivos, em soluções de reflorestamento, de bioconstruções, e principalmente a forma que você constrói sua casa, capta água e luz, poderia ser uma luta muito mais compartilhada, principalmente no campo das políticas públicas”, argumenta.

Para a agente ambiental, essa seria uma forma coletiva de promover um desenvolvimento cultural e ambiental que poderia evitar a separação destas lutas dentro da cidade. “Ser uma pessoa preta e periférica vivendo em um território de preservação dos últimos remanescentes da mata atlântica do Brasil, e ainda ter a cidade como parte disso, é compreender essa relação que a cidade está inserida dentro da mata, e foi crescendo assim, e só de pensar nisso, eu me adapto nessa condição, acredito que a floresta pode ser o futuro”, ressalta a moradora do Jaraguá. 

Jekupe também acredita nessa correlação de luta e diz que a quebrada se unir à demarcação também é uma forma de independência das periferias. “Imagina a periferia aproveitando seus espaços para trazer saneamento ecológico, saneamento barato, prático, se você tem agrofloresta na quebrada, entende que pode se investir em placas solares e parar de pagar energia, você sai da mão dos bandeirantes, da mão do palácio dos bandeirantes, eles não querem que a periferia entenda que a quebrada forte, que uma memória pode despertar a independência do seu território”, analisa.

Ao parar por alguns momentos e refletir sobre tudo o que tem acontecido no contexto do Marco Temporal, o líder indígena faz uma comparação sobre o impacto da criminalização da vida nas periferias, favelas e nos territórios indígenas.

“Nós estamos em situação precária que nem nas favelas e nas quebradas, sem saneamento básico, abandono de animais, por isso temos que lutar juntos e não dividir nossas lutas, as pessoas nos criminalizam pra dividir, a gente só tá buscando uma terra sem mal, e porque o não indígena não pode também buscar uma terra sem mal?”, questiona o líder guarani.

A violência da beleza e o espelho invertido

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Hoje resolvi falar sobre um tema que tem crescido muito na vida das pessoas, a ideia de beleza, as redes sociais deram uma grande ênfase nessa temática, de uma forma que cada vez mais cedo as pessoas têm se preocupado com suas estéticas. O bom e belo como faces da mesma moeda, a beleza continua a séculos consciente e inconscientemente criando padrões de confiabilidade, elaborando um mercado de práticas de elaboração de uma estética.

Para nós, população negra, esse tema sempre esteve em voga, pois nossa aparência é a principal ferramenta da violência racial. 

Mesmo que tenha crescido a ideia de Beleza Negra, também se tem criado padrões sobre essa estética, pois assim como tudo na vida, quando identificamos modelos de como ser, se cria um padrão de sucesso.

Faz pouco tempo que parei de pintar o cabelo para deixar a amostra os grisalhos, consegui fazer esse movimento por conta da pandemia do Covid-19, que nos trouxe à tona outras questões importantes na vida para além da dependência de produtos estéticos. Durante o período refleti que estava entrando em um campo bem difícil da vida das mulheres, envelhecer. 

A sociedade estabelece as relações com as mulheres a partir do seu corpo, por meio da menstruação, do parto, mesmo que algumas mulheres consigam travar sua vida com outras referências, essas novas se colocam em oposição às acima citadas, diferenciando reprodução e sexualidade, que modifica as relações modernas, desvinculando a mulher de reprodução da espécie e trazendo ela para o debate do trabalho e econômico. Ainda acompanhamos o domínio do Estado sobre nossos corpos quando se fala de aborto ou transição de gênero. 

Em 2025 mais 90% dos rostos de mulheres na internet serão produzidos por inteligência artificial. Corremos um grande risco de nunca mais nos reconhecer como reais seres humanos

A indústria da beleza se aproveita desses espaços para criar modelos de beleza que garantam a ideia de juventude dando uma ideia de prolongamento da idade reprodutiva.

Com o avanço dos direitos das mulheres e sua emancipação financeira, cada vez tem se tornada mais tardia as questões sobre os direitos reprodutivos da mulher e as consequências da falta de tratamento médico específico, assim como as questões psicológicas e emocionais que isso acarreta, a solidão e o abandono que assola todos os idosos, mas que sem dúvida tem um impacto maior na vida das mulheres com suas interseccionalidades. 

A nossa inclusão nos direitos presentes nessa sociedade, tentando superar as desigualdades e dicotomia, que sinceramente é destrutiva e desigual até para a classe média, se torna um desafio, pois para as desigualdades que eles já estabeleceram, centralizando as riquezas, existem dificuldades específicas criadas para algumas populações nesse sistema e precisamos lutar a favor da equidade social para todes.

Desde muito cedo as crianças experimentam a beleza como um status de aceitação social e moral, nos contos de fadas, onde a bruxa má se apresenta esteticamente feia e nesse sentido a feiura vinculada a velhice, assim como a princesa exerce o padrão de beleza ligado a bondade, levando a uma conexão construída desde o século XIX por diversos filósofos, que o bom e o belo, tem uma conexão direta. 

Essa ideia influenciou a toda a modernidade culturalmente, a reformulação desse mesmo padrão durante nossa história moderna vem tomando novas roupagens, como hoje as redes sociais, mas continuam sendo disseminadas. 

Entre diversas camadas que essa discussão sobre beleza e bondade pode ter, ela constitui uma ideia política em conjunto com as disputas históricas por riqueza e poder, que também foi usada como arma de dominação. 

Quando pequena ouvi a história da menina suja de piche – A Senhora Holle, Irmãos Grimm, nome original do conto – que fala sobre duas filhas, uma trabalhadora que fica coberta de ouro e uma preguiçosa que fica coberta de piche, sendo o desfecho final que “o piche ficou grudado nela e não saiu por toda a sua vida”. Esse foi o conto de fadas mais aterrador que eu já ouvi, como castigo ela fica preta de piche para vida toda.

Conto A Senhora Holle – Irmãos Grimm: A violência da beleza e o espelho invertido

Vestir-se e pentear-se segundo os cânones da moda, roupas assinadas, ideais de beleza propostos pelo consumo comercial. O cinema nos propõe a mulher fatal, o herói do velho oeste, o jovem rebelde, o espertalhão. A indústria da moda nos oferece de sincretismo total, de absoluto e irrefreável politeísmo da beleza. 

Quando foi que construímos a ideia de que a estética periférica é feia e que o belo só existe nos bairros mais abastados? 

Será que é só sobre a qualidade do saneamento básico ou sobre o transporte, ou criamos em nossas mentes uma ideia estética baseada na cerâmica e no concreto e a única saída é tornar tudo padrão Jardim Europa? 

Considero a ideia de estética uma pandemia silenciosa que invade a nossa vida por meio das redes sociais e estabelece padrões de consumo e de poder e até de morte social. 

Um impacto social é a invasão de crianças da classe média a lojas de produtos de beleza importados disseminados nas redes sociais, em contrapartida diminuem os espaços de lazer infantis que não são baseados no consumo. 

Em cada classe essa invasão da ideia do bom e do belo tem se manifestado de forma diferente, mas basta você curtir um reels sobre maquiagem, para perceber quanto tempo as pessoas estão dedicando a indicar produtos da indústria que proporcionam o enquadramento estético.

Para mim isso vai além de simplesmente maquiagem ou vestimentas, mas sobre nossa relação com a natureza e nossos ciclos. 

O poder dado a nós de transformar a natureza em algo que constituímos como útil ou belo, fez com que levássemos a relação de objeto a tudo que vive, e sendo o objeto oferecemos a tudo uma plasticidade. 

Mármore e cerâmica são base dessa sociedade, tudo limpo, liso e brilhante, dos pisos, das paredes e dos rostos humanos. Sem linhas, sem declives, sem sinais ou poeiras. 

O tempo também criador de estéticas vem sendo combatido, como inimigo da humanidade, ao mesmo tempo que transformações são inevitáveis, formas de aplainar essas transformações têm sido buscadas constantes. De forma bem simples podemos dizer que certas influências mudam o jeito de ver o mundo e todas estão atreladas. 

O reino vegetal tem seu ciclo, as folhas brotam e caem adubando a terra para a época de frutos, se retro alimentando de si, quando tudo é tomado pela estética do mármore e do cimento, as folhas não são mais absorvidas pela terra e são chamadas de sujeira e como resultado as pessoas cortam as árvores, a terra que pinta os corpos e se integra ao nosso corpo, também vão sendo considerada sujeira, sendo que o conceito de sujeira é um conceito estético construído e produzido pelos resíduos da sociedade moderna, que criou coisas artificiais que não podem ser absorvidas pelo sistema terrestre. 

Nessa altura do texto, quero dizer que eu aprecio a moda como uma manifestação cultural particular que proporciona aos indivíduos a possibilidade de manifestar sua criatividade e cultura, assim como o continente africano faz a séculos. 

Contudo, tenho um certo receio da beleza-estética e sua ideia de evitar a multiplicidade humana, seu envelhecimento e a manifestação do tempo em nossa vida. 

Todo rosto conta uma história de vida e ancestral, porque isso deve se igualar, porque não podemos ser únicos em nossa estética visual. Me divirto com os filtros das redes sociais, mas também reflito muito nessa necessidade de parecer sempre uma placa de mármore. 

Ser aceito e amado ainda é uma busca e hoje passou do analógico para o digital, ser reconhecido pelo que pensa e fala, pelos seus estudos e pesquisas sempre foi uma busca humana, mas no digital se tornou uma relação direta com a vida eterna, não ser esquecido. 

O legado platônico foi fundamental para o pensamento ocidental a respeito da beleza. O banquete, diálogo de Platão no qual a beleza é apresentada como paradigma de sua Teoria das Ideias. O banquete, a beleza é discutido em estreita conexão com Eros. Amor é sempre amor por alguma coisa. Belo é aquilo a que o Amor é intencionalmente dirigido. Sendo hoje nossa ideia de beleza totalmente contaminada por essa ideia ocidental, toda busca estética é por alcançá-la, uma forma de dominação das nossas mentes e corpos. 

Dentro dessa ideia existe uma xenofobia que combina beleza com relações políticas e a ideia de quem é bom, que beleza reflete a bondade, anjos de olhos azuis, brancos, traços finos e olhares blasé.

Todo esse questionamento não nega toda a estética construída pelos povos do mundo, as pinturas corporais africanas e indianas, suas cores e tecidos, adornos e penteados, até porque quase tudo que esteticamente, vale a pena, foi construído pelo oriente e pela África e movimenta a indústria da estética e da moda no mundo em uma apropriação cultural desmedida e muitas vezes desrespeitosa, produzindo escravização e domínio cultural.

Como essas questões permeiam as periferias são diversas, desde um consumo que promove o empobrecimento material para manter esses padrões, até questões psicológicas sobre nossa beleza, fazendo com que a verdade sobre quem somos, seja substituída pelo que o mercado precisa que a gente consuma. Como disse Emicida “As redes sociais dá o que nóis quê, enquanto rouba o que nóis precisa.” – EP Amarelo.

A binaridade entre o bom e belo que permeia as agências de trabalho, a porta dos restaurantes e shopping center, os comentários nas redes sociais, refletem não só o racismo estrutural, mas valores eurocêntricos de sua filosofia arbitrária, baseadas na ideia de homocentrismo que criou toda a exploração moderna. 

Pensar que somos seres que fazem parte da natureza e com isso, assim como ela somos cíclicos e perenes, é uma ferramenta de libertação de amarras, e mais adiante que a beleza não reflete a bondade, e sim um utilitarismo social dos olhos ocidentais estabelecidos na elite de comando econômico.

A beleza está nos olhos de quem vê, dizia minha mãe, arremato esse ditado popular retomando que ver e enxergar são dois lados da mesma questão, estamos vendo as pessoas ou só enxergando sua existência?

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Legalização da maconha pauta debate sobre uso terapêutico e recreativo #23

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Nesse episódio apresentamos algumas perspectivas sobre a maconha, desde seu uso terapêutico ao recreativo. Conversamos com a antropóloga e pesquisadora do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, Paula Napolião, e com o Flávio Alves, integrante da Associação Coletivo Reparação Sócio-Histórica – Resh, sobre o uso da maconha, legalizada ou não, ser uma realidade, mas com abordagens diferentes a depender da forma que é utilizada.

Falamos sobre a maconha, do uso terapêutico ao recreativo, e como, legalizado ou não, o uso não deixa de acontecer, independente do formato, mas as consequências não são iguais para todo mundo.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

Confira os jovens selecionados para a 8ª edição do Você Repórter da Periferia

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Para a edição de 2024, foram selecionados 20 jovens com prioridade para população negra, LGBTQIAPN+ e com diversidade territorial.

A 8° edição do Você Repórter da Periferia recebeu mais de 120 inscrições de jovens que moram em diversas regiões periféricas. Entre os 20 jovens selecionados, 10 são estudantes do 1° ano do Ensino Superior (até 2° semestre) e 10 são estudantes ou concluíram o Ensino Médio.

A seleção foi realizada levando em consideração idade, raça, gênero, escolaridade e regiões da cidade, buscando abranger um grupo diversificado.

Aos Selecionados: Entraremos em contato por whatsapp para passar as informações sobre o início das atividades e tirar todas as dúvidas que possam surgir.

Aos que não foram selecionados: Desejamos muito progresso em seus próximos passos! Fiquem ligados que em 2025 teremos novas oportunidades no Você Repórter da Periferia.

Confira a lista dos selecionados

  • Roseane Paiva Prates
  • Luan Kevin de Queiroz (Luau)
  • Sthefani de Jesus Oliveira Neves
  • Bruno Evangelista Moura
  • Matheus Maurício da Silva
  • Maria da Conceição de Sousa Silva
  • Thyeli Nogueira
  • Vitor Silva Brito
  • Nathalia cristina da Silva
  • Ana Vitória Evangelista dos Santos
  • Lauane da silva Alves nogueira
  • Patrícia Pereira Brandão
  • Anna Celli dos Santos Faria
  • Ana Vitória Negri da Silva
  • Paloma Martins
  • Luana Costa de Melo Anselmo Cipriano
  • Jennyfer Almeida dos Reis
  • Nicolas Santos de Souza
  • Giovana Mendes
  • Yasmin Rocha Turini
  • Marcia Victoria Ramos Moreira

Foco no esporte

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Nós da quebrada sabemos da importância do esporte para a comunidade. Diversos projetos abordam e procuram trazer para as crianças atividades esportivas para  melhorar e aperfeiçoar o desenvolvimento das mesmas. 

Aqui em Taipas e região, há diversos projetos voltados para o futebol, capoeira, judô entre outros.

O Instituto Grande Vitória Capadócia tem o projeto voltado para as crianças e adolescentes. São aulas de capoeira e judô que são realizadas na semana, geralmente à noite. 

Com isso sabemos da importância desses jovens estarem voltados para algo produtivo e proveitoso.

Na quebrada, o nós por nós sempre funciona, com isso fazem com que os jovens tenham o senso de pertencimento e ajuda a desenvolverem e entenderem o trabalho em equipe. 

Ao decorrer dos textos na coluna vou trazendo mais alguns exemplos de projetos que são desenvolvidos aqui na região.

A consequência dessas atitudes dos projetos são positivas e muda a mente de muitas crianças e jovens que buscam se profissionalizar e seguir carreira no esporte. 

Viva a galera da quebrada, unida, que vai para cima, lutando sempre por um futuro melhor para todos.

Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

“A idade para ser feliz é quando você está vivo”, afirma aposentada Claudete Maia

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“Hoje nós temos condições de viver até 120 anos, como é que você pode falar que uma pessoa de 80 [anos] não pode isso [ou] aquilo? O que ela vai fazer nos outros 20 [anos]?”. Esse questionamento é da Claudete Maia, 68, moradora do bairro Vila Divina Pastora, no distrito de São Lucas, zona leste de São Paulo.

Aposentada, Claudete trabalhou desde os 18 anos como bancária, e entende que a forma como escolhe viver não cabe em padrões. “Enquanto puder fazer, faça. Para quando não puder, ter o que lembrar”, frase que a mãe de Claudete dizia à ela, e que segue colocando em prática.

“Eu sempre gostei de dançar. A minha família era uma família que dançava, eu sempre falo que a gente aprendia a andar e dançar. Eu aprendi em cima dos pés dos meus irmãos”, menciona a aposentada sobre um de seus divertimentos.

Claudete conta que não se casar não foi uma escolha, mas acredita que isso trouxe reflexos nas boas experiências que viveu com viagens e na dança. “Se eu tivesse casado talvez não tivesse feito tudo isso”, diz.

Viagem que Claudete fez para Belém do Pará, em 2022. (Foto: arquivo pessoal)
Claudete na Festa da Chiquita, na cidade de Belém, no Pará. (Foto: arquivo pessoal)

Aproveitar a vida independente da idade não é algo novo para Claudete. Sua mãe, Mazilia Maia, que faleceu aos 88 anos, também tinha essa característica. “Minha mãe com 80 [anos] subia em árvores. Nós fomos para Europa quando ela tinha 80 anos”, conta.

Curtir a vida frente às desigualdades

A princípio, a falta de condições financeiras foi o principal entrave para que Claudete pudesse aproveitar a vida plenamente como ela gostaria. “Nós éramos seis irmãos e quando meu pai faleceu minha mãe ficou com seis para criar”, relembra sobre a infância.

Mazilia, mãe de Claudete, trabalhou como empregada doméstica até os 60 anos, e assim sustentou os filhos que começaram a trabalhar desde cedo, aos 13 anos, para ajudar em casa. Claudete conta que foi a única entre os irmãos que começou a trabalhar aos 18 anos, quando passou em um concurso da Caixa Econômica Federal.

Foi a partir de uma viagem feita para o festival Oktoberfest, em Santa Catarina, com um casal de amigos, que Claudete passou a se permitir e a enxergar possibilidades de conhecer novos lugares. Depois dessa experiência, ela fez sua primeira viagem internacional para o Chile com um grupo de amigos do trabalho que já havia a convidado para ir ao Peru e ela recusou. 

“Como a gente nunca tinha [dinheiro], então ele era priorizado para as coisas da casa”, conta. No entanto, quando surgiu o convite para a viagem do Chile ela resolveu arriscar.

Foto de 1992, quando Claudete viajou para o Chile, na cidade turística Viña del Mar, em Santiago. (Foto: arquivo pessoal)

“Eu pedi um dinheiro para minha irmã e eu tinha comprado um terreno com meu irmão [que] a gente pagava as parcelas. Eu fiz o cálculo e falei ‘vou ficar três meses sem pagar e vou juntar esse dinheiro’. Imagina ficar sem pagar prestação. Mas eu fiquei, [porque em] três meses meu nome não ia ficar sujo. Peguei o dinheirinho e fui passear”, conta Claudete, que afirma ter sido a melhor coisa que fez por si.

“Você vai amadurecendo, e aí consegue sair com menos [dinheiro]. Aprendi a viajar e a dormir em lugares que têm banheiro compartilhado. Geralmente eu viajo sozinha. Pego a minha mochila e vou”, compartilha a aposentada. Ela também conta que conhecer a Aurora Boreal é o próximo sonho que deseja realizar.

“A questão de morar na periferia não tinha muito destaque, era normal enfrentar o transporte público [por exemplo]”, diz Claudete sobre sua dinâmica de morar na periferia, mas também circular para além do seu território. 

“Ser mulher negra nunca me atrapalhou. Só percebi de fato [uma situação de racismo] quando conduzi os trabalhos de uma equipe e um dos meus subordinados não saía para almoçar conosco e só falava comigo sobre trabalho. Depois de algum tempo ele confessou o motivo: ‘Você é uma negra metida”‘, conta Claudete sobre uma das situações que por vezes ocorre com mulheres negras em cargos de gestão.

Corpo em movimento

Claudete praticou yoga durante 10 anos, participava de aulas sobre consciência corporal, pilates e danças brasileiras. No território onde mora, também faz parte da Associação Solidariedança, que a partir da fisioterapia e da dança, atende pessoas com deficiência ou com dificuldade motora.

Claudete com o grupo da Associação Solidariedança. (Foto: arquivo pessoal)

“Como é pertinho [de casa] eu fui para lá e comecei a fazer dança com [as pessoas com deficiência]. Isso foi em 2021 e estou lá até hoje”, compartilha. Atualmente Claudete participa de apresentações de dança cigana e dos grupos Jongo Filhos da Semente, Mistura da Raça e o Jongo de Guaianazes.

Grupo do curso de danças brasileiras (Foto: arquivo pessoal)

No carnaval de 2024, a aposentada desfilou na escola de samba Unidos de São Lucas, e também costuma desfilar com o bloco Unidos dos Palmares. 

Para mulheres que deixam de fazer o que gostam por pressão das construções sociais sobre suas idades ou por receio do que possam dizer, Claudete deixa uma dica: “Tem que agradecer a idade que elas têm e usufruir do potencial, porque se Deus te deu a vida é para você viver. Sabe pecado? Eu acho que isso é pecado, você ter a vida e não viver”, pois para ela “a idade para ser feliz é quando você está vivo”, finaliza.

8 de março: movimentos de mulheres realizam ato na zona sul de São Paulo

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Na manhã desta sexta-feira, 8, data em que é comemorado o Dia Internacional das Mulheres, a coletiva Periferia Segue Sangrando, realizou um ato na Avenida João Dias, na zona sul de São Paulo, com o objetivo de denunciar o aumento nos casos de violência contra as mulheres.

“A intenção é chamar atenção para o número de feminicídios que cresceu bastante no nosso território, mas não só no nosso território. Chamar a atenção para a violência contra as mulheres”, aponta Luana Oliveira, educadora popular e integrante do Periferia Segue Sangrando.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, foram registrados 1.463 casos de feminicídios no Brasil, o que representa o maior número desde a tipificação da lei do feminicídio sancionada em 2015.

Durante o ato, mulheres negras e periféricas, integrantes da coletiva, estenderam uma faixa com a frase “Parem de nos matar”.

Ato realizado na Avenida João Dias, na zona sul de São Paulo, com o objetivo de denunciar o aumento nos casos de violência contra as mulheres. Foto: Pedro Oliveira.

“O 8 de março tem muitas histórias que às vezes se perdem nesses caminhos que vai transformando o dia nessa mitologia, mas principalmente o 8 de março está atrelado a luta das mulheres trabalhadoras”, afirma Alessandra Tavares, antropóloga, atuante no movimento de mulheres da zona sul de São Paulo e integrante da coletiva.

“É importante lembrar que o dia 8 de março não é um dia de parabéns. O dia 8 de março não é dia de homenagem. É um dia de luta e de reconhecimento de todos os nossos direitos pela vida, pelo bem viver e pelos nossos direitos reprodutivos plenos.” 

Alessandra Tavares, antropóloga, atuante no movimento de mulheres da zona sul de São Paulo e integrante da coletiva Periferia Segue Sangrando.
Ato organizado pela coletiva Periferia Segue Sangrando denuncia aumento da violência contra as mulheres. Foto: Pedro Oliveira.

Periferia Segue Sangrando é uma rede de mulheres que desde 2015, atuam a partir das dinâmicas sociais que envolvem e aproximam as mulheres nas periferias, do feminismo periférico, e propõem ações que dialoguem com suas necessidades.

Alessandra ressalta que a intervenção é uma resposta para além dos eventos recentes. “Mulheres não só foram mortas, mas seus corpos foram profundamente violados. E a gente sabe os significados que isso tem. Queremos dizer e colocar que nós estamos atentas a isso e que a gente grita, que a gente tem voz e exige que parem de nos matar”, reforça.

“O trabalho doméstico não deu possibilidades”: Marilene Silva aborda o autocuidado após os 50 anos

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Em uma quarta-feira de calor, Marilene Pereira da Silva, 64, nos recebeu em sua casa, no bairro Jardim Itaoca, distrito do Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Apesar de demonstrar estar um pouco tímida, Marilene estava sorridente e muito produzida com anéis nos dedos e um perfume que contou ter usado para participar da entrevista. 

Devido a uma infecção de meningite que Marilene teve aos 10 anos, ela perdeu a audição e parte da fala, por isso, toda a entrevista foi mediada pela sua filha, Lena Silva, que trouxe falas em terceira pessoa sobre as vivências de Marilene.

“Ela ficou um longo tempo acamada, perdeu os movimentos motores, não falava, não andava, não fazia nada. Então, aos poucos, depois de quase um ano, ela foi recuperando tudo e sem nenhum tipo de assistência médica, porque na roça não tinha nada disso”, conta Lena sobre o período em que Marilene adoeceu e perdeu a audição.

Marilene Silva gosta de viajar e passear, ampliando com frequência as suas vivências. (Foto: arquivo pessoal)

Nascida em Ipiaú, na Bahia, aos 10 anos, Marilene foi morar no município de Jequié, no mesmo estado, com a mãe, Laurentina da Silva, e ficou por lá até os 19 anos, quando se mudou para trabalhar em São Paulo. Marilene passou boa parte da vida trabalhando na casa de outras pessoas, fato que influenciou em como conseguia ou não se divertir.

“Apesar de ter cuidado bastante da minha avó, [isso] não foi um empecilho [para ela] deixar [de] viver, sair ou passear. Foi de fato o trabalho doméstico que aprisionou ela e não deu possibilidades”

comenta Lena, filha de Marilene

Atualmente aposentada, Marilene trabalhou durante 30 anos como empregada doméstica. Ela dormia na casa em que trabalhava e tinha apenas um dia de folga na semana. Diante dessa dinâmica, Lena tentou negociar para que Marilene tivesse duas folgas na semana e que dormisse em casa. Sem sucesso na negociação, acordaram de pedir a demissão de Marilene, mas os empregadores não aceitaram de forma amigável.

“Aceitamos um acordo onde a minha mãe não teve seus direitos pagos. Mas eu falei para ela: ‘mãe, você está com 50 e tantos anos, se não sair agora dessa casa, dessa condição e não começar a viver sua vida, [vai ficar] presa no dinheiro dos tempos trabalhados. Não vai ser saudável para ninguém’”, conta Lena sobre o período em que Marilene tinha pouco tempo para fazer outras coisas além do trabalho.

Cuidando de si

Desde 2015, quando deixou de trabalhar nas condições relatadas como empregada doméstica, Marilene passou a descobrir outras atividades e ter tempo para si. Já fez curso de artesanato, gastronomia e em 2023 começou na academia. Ela relata que entre as várias motivações para iniciar uma atividade, o que mais a deixa animada é a possibilidade de conhecer pessoas e criar vínculos.

Marilene Silva em um passeio com as amigas. (Foto: arquivo pessoal)

“Na academia, quando ela não vai, todo mundo pergunta, ‘cadê sua mãe?’. E é esse carisma. Às vezes ela chega, não precisa falar nada, só um sorrisinho, aí pronto, todo mundo [pergunta] quem é essa senhora fofinha”, compartilha Lena, enquanto Marilene sinaliza concordar com a análise da filha.

Além da academia, desde jovem a aposentada tem o hábito de viajar para o Guarujá, Guarulhos, Aparecida do Norte e chegou recentemente de Jequié, na Bahia, local no qual ela vai quase todo ano. “Ela tem orgulho, porque consegue se locomover e fazer tudo sozinha”, Lena pontua.

“Gosto de conversar, adoro conversar”, conta Marilene, que sempre está em festas com amigos e familiares em casa, e se diverte com as amigas quando sai para dançar forró e ir ao samba.

(Fotos: arquivo pessoal)

“Quando ela toma uma cervejinha gelada fica muito feliz. Ela gosta de festa, se organiza um churrasco aqui, um almoço com a família, ela fica extremamente feliz. Ela gosta de estar com pessoas”, acrescenta Lena, enquanto Marilene reage com entusiasmo, gesticulando e sorrindo.

Estudos

Na infância, após a meningite, Marilene não conseguiu retomar os estudos, mas em 2022, com o estímulo da filha, ela começou a estudar Língua Brasileira de Sinais (Libras), no Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), no Campo Limpo. “[No início] ela foi muito resistente, porque nasceu falante e ouvinte, e aí ela tinha esse preconceito”, comenta Lena.

“Fui conversando com ela sobre essa possibilidade da escola, não apenas para aprender libras, mas para aprender outras atividades e aumentar o círculo social. E aí isso ela achou mais interessante. Quando ela foi no Cieja Campo Limpo [e] viu o acolhimento, a professora, que era negra, ela se identificou muito”, conta sua filha sobre o processo de estudar libras.

Embora as condições que vivenciou ao longo da vida não tenham favorecido Marilene se alfabetizar, ela desenvolveu os próprios métodos para dar conta de algumas demandas que envolvem a leitura. 

“Ela tem uma memória muito boa. No serviço ela fazia a listinha de produtos que faltava, e aí teve uma vez que a patroa dela me perguntou ‘sua mãe não sabe ler e escrever, como é que ela faz a lista de produtos?’. Aí ela [a Marilene] falou, ‘eu vou olhando e vou copiando’. Ela tem essa memória fotográfica”, explica Lena.

Marilene Silva usando os acessórios que ela confeccionou. (Foto: Pedro Oliveira)

E com essa habilidade Marilene também desenvolveu sua autonomia. “Ela não gosta de ficar em casa, então ela sai para passear. Ela consegue manter relações muito fortes com todo mundo da família, então para ela não tem muito dessa coisa da distância”, conta Lena enquanto Marilene confirma acenando com a cabeça.

Para além dos estigmas, Marilene se permite viver coisas novas, principalmente após descobrir os benefícios de olhar para si, e isso também inspira sua filha. “Aprendo muito com ela a ter disciplina, sabe? Se ela botou na cabeça que ela vai fazer uma coisa, ela de fato faz”, diz Lena, com sorrisos de Marilene ao seu lado.

16ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas traz espetáculos de todo o país para São Paulo

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Homenageando a artista Julieta Hernandez, a Mostra acontece de 6 e 10 de março, e a programação inclui apresentações artísticas e formações. 

A 16º Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas acontece entre os dias de 6 a 10 de março, com uma programação diversificada, gratuita e descentralizada: as apresentações vão ocupar as ruas da Sé, Perus, Guaianazes e Parelheiros. Além disso, grupos como Cia Pé Vermei, Cia Rosa Fulô, Rosas Periféricas, Trupe Baião de 2, Núcleo Ás de Paus, Trupe Olho da Rua, entre outros, estarão presentes na mostra que é realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo.

A Mostra conta com 17 atrações e 4 formações artísticas, momento em que os artistas irão compartilhar seus conhecimentos, com as temáticas: acessibilidade no teatro de rua; discurso na dramaturgia de rua; mediação e formação de público; a rua como espaço seguro e criativo. Também está previsto o lançamento do artigo “Teatro de Rua: Imprevistos e Improvisos”, do Grupo Rosa dos Ventos.

Trupe Baião de 2.

Nos últimos anos, o Movimento de Teatro de Rua de São Paulo sempre prestou homenagens a pessoas e movimentos de relevância para o teatro nacional e o teatro de rua. Nesta 16°, o movimento celebra as mulheres no teatro de rua, com uma programação composta por grupos teatrais de todo Brasil, com um momento especial em memória de Julieta Hernandez. A artista e cicloativista venezuelana foi assassinada em dezembro de 2023, em Presidente Figueiredo – AM.  

Julieta Hernandez. Foto: Reprodução.

Sobre a Mostra Lino Rojas

A Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas acontece na cidade de São Paulo desde 2006, realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Este ano, conta com o apoio da Rede Brasileira de Teatro de Rua, da Cooperativa Paulista de Teatro e da mandata coletiva Quilombo Periférico, além do patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura, da Prefeitura de São Paulo.

Programação

Dia 06 de março – centro

4h – Cortejo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo
Saindo do Largo do Paissandú

15h – Trêm Bão é Coisa Boa, com Cia Pé Vermei
Praça Dom José Gaspar, 30

16h – A Farsa do Açúcar Queimado ou a Mulher que Virou Pudim, com o Núcleo sem Drama na Cia da Cabra Orelana 
Praça Dom José Gaspar, 30 

20h – Cabaré de Celebração a Julieta Hernandez
Ocupação São João – Av. São João, 588, República.

Dia 07 de março –  zona norte

10h – Breve Dança para um Rio, com a Cia Menina Fulô 
Ocupação Artística Canhoba – Rua Canhoba, nº 299, Perus. 

14h – Hoje tem espetáculo, com o Grupo Rosa dos Ventos
Ocupação Artística Canhoba – Rua Canhoba, nº 299, Perus. 

15h – Lançamento do Artigo ” Teatro de Rua: Imprevistos e improvisos”, com o Grupo Rosa dos Ventos 
Ocupação Artística Canhoba – Rua Canhoba, nº 299, Perus.   

17h –  Ensaio para dois Perdidos, com Éssa Compania de Teatro 
Praça Inácia Dias, S/N, Perus.

20h – Roda de Conversa “A formação do discurso na dramaturgia de rua”,  com Luiz Carlos Checcia
Ocupação São João – Av. São João, 588 – República.

Dia 08 de março – zona sul

13h – Ladeira das Crianças- Teatro Funk, com o Grupo Rosas Periféricas 
Praça Julio Cézar Campos, Parelheiros. 

14h30 –  Pra lá de Teerã,  com o Grupo Sobrevento 
Praça Julio Cézar Campos, Parelheiros.  

15h30 – Roda de Conversa “A rua como espaço seguro e criativo”, com Ciléia Biaggioli 
Praça Julio Cézar Campos, Parelheiros.

19h30 – Em busca de?, com o Duo Caponata 
Praça Julio Cézar Campos, Parelheiros.

Dia 09 de março – zona oeste

10h – Roda de Conversa “Acessibilidade e Teatro de Rua”, com Amanda Nascimento 
Ocupação São João – Av. São João, 588 – República 

15h – Truques e Trambiques, com a Rué La Companhia 
Território Cultural Okaracy na Comuna da Terra Irmã Alberta – Rua Leonel Martiniano S/N.

16h30 – Ym Bando – Poemas para Vozes, com a Amora Balaio Criativo 
Território Cultural Okaracy na Comuna da Terra Irmã Alberta – Rua Leonel Martiniano S/N.

18h – Retirantes, com a Trupe Baião de 2 
Território Cultural Okaracy na Comuna da Terra Irmã Alberta – Rua Leonel Martiniano S/N.

Dia 10 de março – zona leste

10h – Roda de Conversa “Mediação e Formação de Público para o Teatro de Rua”, com Michelle Lomba 
Ocupação São João – Av. São João, 588 – República

15h – Andança da Morte Dum Zé, com o Grupo Teatral Apanel
Casa Quilombo – Rua Serra do Mar, 15 – Guaianases.

17h – Um Show de Variedades Palhacísticas, com a Família Rocokóz 
Casa Quilombo – Rua Serra do Mar, 15 – Guaianases.

18h – Fagulha às 18h, Núcleo Ás de Paus 
Casa Quilombo – Rua Serra do Mar, 15 – Guaianases.

8° edição do Você Repórter da Periferia oferece vagas para jovens das periferias

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Com duração de sete meses, a formação une técnicas do jornalismo e vivências em campo nas periferias. As inscrições acontecem até 01 de abril.

O Você Repórter da Periferia, programa de formação em jornalismo, está com inscrições abertas até o dia 01 de abril para sua 8° edição. Com oficinas teóricas e práticas realizadas entre os meses de abril a dezembro, a formação é gratuita e voltada para jovens de 16 a 25 anos, de regiões periféricas da cidade e região metropolitana de São Paulo.

Para participar, os jovens podem ou não estar estudando – concluintes ou estudantes do ensino médio e também podem ser universitários que estejam cursando o 1º ano do ensino superior de qualquer curso na área da comunicação.

As inscrições podem ser realizadas até o dia 01 de abril, clicando aqui.

A formação é dividida em duas fases: teórica, período em que os jovens participam de oficinas como videorreportagem e técnicas de entrevista, com aulas aos sábados na redação do Desenrola e Não Me Enrola, localizada no Jardim Ângela, zona sul de São Paulo; e a fase prática, momento no qual passam a produzir conteúdos sobre ações e movimentos culturais de diferentes territórios periféricos.

Realizado desde 2013 pelo veículo de jornalismo periférico Desenrola e Não Me Enrola, essa edição irá contemplar 20 jovens periféricos que além da alimentação durante todos os encontros, também irão receber um auxílio transporte para o deslocamento nas oficinas teóricas e práticas.