Reportagem

Reparação Histórica: a visão de empreendedores das Periferias no Fórum de Finanças Sociais

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O Desenrola bateu um papo com alguns empreendedores periféricos, para mostrar o que eles pensam sobre a possibilidade de promover ou não reparação histórica no contexto racial, econômico, cultural e educacional por meio de projetos de impacto social que estão sendo realizados nos territórios por pessoas que nasceram, cresceram e ascenderam socialmente por meio de iniciativas de valor público.

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Apresentação do DJ Bola na mesa Periferias, Raça e Gênero (Foto: Leonardo Brito)

Como o empreendedorismo e os projetos de impacto social podem ser utilizados para promover reparação histórica para os moradores das periferias? Foi a partir desta questão de valor intrigante e extremamente necessária para ser discutida que o Desenrola E Não Me Enrola entrevistou alguns agentes sociais que participaram do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto realizado nesta quarta-feira (06) e quinta-feira (07), no Complexo Cultural Ohtake, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo.

Em meio a um cenário, no qual as políticas públicas estão cada vez mais escassas e com menos poder de impacto, o empreendedorismo social vem avançando e ocupando um lugar que mobiliza cada vez mais agentes sociais que atuam ou atuavam em coletivos, para empregar o seu conhecimento sobre o cotidiano das Periferias em projetos que visam transformar para melhor a vida das pessoas.

Neste contexto, esta edição do Fórum, além das diversas discussões sobre investimentos sociais, metodologias de impacto, tecnologias, tendências e inovação, a “Periferia” foi um dos temas disparadores para apresentar o potencial de iniciativas que estão sendo construídas à base de questões estruturais, como raça, classe e gênero em várias regiões do Brasil.

Antes de assistir o primeiro bate papo sobre Periferias, Raça e Gênero do Fórum, a educadora social e produtora cultural, Alania Cerqueira, moradora do Jardim São Luis e criadora da Macambira Sociocultural, negócio que atua na zona sul de São Paulo, se sentiu provocada com essa questão da reparação histórica atrelado ao empreendedorismo de impacto social produzida nas periferias. “Eu acho que empreender com essa intencionalidade de atuar nos territórios ainda não promove a reparação. Más eu acredito realmente que a constância disso, com eu fazendo, o outro fazendo, nós fazendo, ou seja, um conjunto de pessoas fazendo, é inevitável que algum tipo de reparação aconteça.”

Foto: Ronaldo Matos – Alania Cerqueira, criadora da Macambira Sociocultural.

A poucos metros de onde se encontrava a empreendedora Alania e um grupo de colegas, estava o jovem Diogo Bezerra, morador do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo. A atuação dele dentro do empreendedorismo social consiste na criação de uma escola de inglês chamada PLT For Way, para levar o ensino do inglês para jovens das periferias com custo acessível e uma metodologia de ensino diferenciada. Com algumas experiências bem sucedidas em seu negócio, ele acredita que a construção da sua identidade como empreendedor enquanto jovem negro e periférico é um sinal dessa reparação histórica estar acontecendo.

“Eu sou um exemplo disso. Eu sou um jovem que não deveria saber falar inglês, que não deveria estar empreendendo, porque o sistema indicou que eu deveria seguir outro caminho, trabalhando braçalmente, ou seja, fazer outras coisas. Então, empreender socialmente mudou a minha vida e a de outras pessoas ao meu redor também”, descreve, lembrando que alguns jovens do seu território já o procuram para pedir opiniões sobre projetos e tirar dúvidas sobre empreendedorismo, enxergando o como exemplo.

Foto: Ronaldo Matos – Diogo Bezerra, criador da PLT For Way.

Bezerra chama atenção para o fato do contato com o empreendedorismo social mudar a sua visão sobre as riquezas das periferias. “A primeira vez que eu cheguei na minha comunidade, eu tinha uma visão de guerra, pensando que não havia nada ali e que não dava para produzir nada ali. Porém quando eu comecei empreender eu vi outro mundo e isso mudou totalmente a minha visão. Eu passei a entender que ali era um lugar fértil e de muitas oportunidades, para desenvolver negócios de impacto, tanto pra mim, como para outras pessoa.”

Ao longo do evento e principalmente durante as mesas que discutiram Periferias, Raça e Gênero, um dos palestrantes mais citados em tom positivo e transformador pelos visitantes foi Marcelo Silva Rocha, mais conhecido como DJ Bola, um dos criadores da A BANCA, uma produtora social e cultural de impacto, que começou atuando no distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, e hoje já atua com relevância em outras regiões do país.

Para o DJ Bola, a reparação histórica só vai acontecer de fato quando os moradores das periferias tiverem plena igualdade de direitos em relação às outras classes sociais. “A reparação histórica só vai se dá de fato quando a gente for protagonista e conseguir ter acesso a esses recursos e tecnologias que vem sendo utilizadas do lado de cá da ponte, tanto para ganhar grana, quanto para nós mesmos investir nos projetos da quebrada.”

A teoria do empreendedorismo chegou à vida do DJ Bola dez anos depois que ele já estava articulando projetos culturais à base da cultura Hip Hop. “Eu não tinha clareza que eu era empreendedor. Eu tinha claro o que eu queria fazer. Hoje, com mais vivências e experiências em diversos lugares e projetos eu olho para a quebrada como um lugar de grandes oportunidades, para elevar a auto-estima e valorizar o ser humano”, enfatiza, citando a importância de valorizar os talentos das pessoas que vivem nas periferias.

Um dos legados citados por Bola deixados pelo empreendedorismo na periferia é a autonomia dos indivíduos. “A nossa maior riqueza é o tempo. Então, quando as pessoas da quebrada conseguem viver dos seus sonhos ou busca realizar aquilo que acredita, a transformação é nítida”, afirma.

Inovação Ancestral e Periférica

Em Salvador, cidade brasileira que possui mais de 80% da população negra, segundo o IBGE, berço de relações ancestrais e tradições africanas, o contexto do empreendedorismo social vem ganhando cada vez mais espaço para incluir a juventude e mulheres negras que residem nas periferias do município. Esse processo está sendo viabilizado por meio de ações estratégicas da Vale do Dendê, uma iniciativa focada em fomentar ecossistemas de inovação e economia criativa, protagonizado por moradores de territórios com altos índices de desigualdade social.

Itala Herta, mulheres negra soteropolitana que atua como relações públicas e diretora de operações da Vale do Dendê, descreve que a organização foca em três frentes: acelerar negócios com foco em diversidade, difundir formação por meio de uma escola de inovação e atuando como uma consultoria para negócios públicos e privados, para o fomento de negócios criativos.

Foto: Ronaldo Matos – Itala Herta durante reunião com membros do Fundo EdiTodos.

“Para muitas pessoas do mercado, a tecnologia e a inovação nos coloca distantes da cadeia produtiva. Só que a tecnologia e a inovação é algo de África. Isso não sou eu que estou dizendo. Isso é histórico. A áfrica produz tecnologias que até hoje nós usamos. Então, o nosso papel é contrapor a idéia de um olhar que nos colocaram, que não corresponde ao nosso passado histórico e as nossas produções e cadeias produtivas que alimentam uma serie de indústrias no Brasil e no mundo”, explica ela.

Assim como a Vale do Dendê, que desenvolve essas iniciativas afro-centradas no campo do empreendedorismo em Salvador, na cidade de São Paulo, mais precisamente na zona sul da cidade, a Aceleradora de Negócios de Impacto (NIP), um dos projetos desenvolvidos pela A BANCA, oferece formação estratégica para potencializar o processo de desenvolvimento de negócios, para gerar mais capital e mais impacto de valor social nos territórios do M´Boi Mirim, Capela do Socorro, Campo Limpo e Capão Redondo.

“Os empreendedores e empreendedoras das quebradas precisam se permitir a esses tipos de provocações e experiências, porque isso agrega muito valor pessoal e profissional e consequentemente aumenta o impacto social e financeiro dos projetos”, argumenta.

Ele ressalta que o empreendedorismo produzido a partir da periferia não se baseia em criar soluções para os problemas sociais dos territórios, mas sim, na necessidade natural e histórica que cada pessoa tem de viver com mais qualidade de vida. “A gente faz projetos pelo nosso sonho, mas a gente quer atacar o problema que a gente vive todo dia. E quem está do lado de cá da ponte cria coisas para um problema que eles não vivem”, distingue o empreendedor, más deixando claro que o encontro entre as pessoas do centro e da periferia tem uma grande importância para trocas de saberes, visando uma conexão que possa fazer a diferença com intencionalidade.

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